POR ANTONIO CASTANHA FILHO
A história de Umuarama está impressa nas páginas do Ilustrado – e só por isso já é uma honra para um jornalista, editor, repórter, articulista, escritor ou colaborador saber que suas palavras estão ali, para sempre, registradas ad aeternum. Todos os acontecimentos realmente importantes de nossa cidade foram impressos nestes 50 anos com tintas fortes e papel resistente: posses, cassações, celebrações, tragédias, vanguardas, notícias, notícias e mais notícias, tanto para quem sempre quis sê-las, quanto para quem só buscava a boa informação de cada dia.
Passaram pelo Ilustrado talentos incontáveis, uns criaram raízes, outros voaram, uns são lembrados até hoje, outros escolheram os caminhos mais diversos. O inegável é um só: todos os grandes estiveram ali. E para não ferir tantos bons e caros amigos, vou citar dois profissionais que foram – e continuam sendo – referências para meu ofício diário de escrever: Cleusa Braga Franquini (professora, mestra e amiga) e Marco Antonio Martins (o Marcão, meu editor, meu amigo-irmão). Os dois já se foram para o Azul, mas deixaram em mim a bússola que norteia a construção respeitosa de um texto (a reverência à língua portuguesa, a sinceridade na escolha do tema e a determinação de apresentar ao leitor algo que desperte, nem que seja por um momento, o deleite de uma leitura clara e objetiva).
Imbuído de um orgulho leonino fui convidado para relatar trechos de minha passagem pela redação do Ilustrado, período que durou pouco mais de um ano, mas que perdura e reverbera em mim até hoje, vinte e poucos anos depois. Com minha imodéstia característica, ouso afirmar que foi um período inesquecível: a agitação da Redação, os metros de fax que chegavam com notícias de toda parte, os telefones que não paravam, os furos, a luta para saber quem daria a manchete do dia ao editor, as pautas estranhas, a deliciosa arte de fazer (e preservar) fontes, as coberturas de eventos – uns cansativos, outros animados, outros indefiníveis –, as tensas disputas de poder que exigem do repórter pisar em ovos e atravessar cristais: tudo isso fazia parte do dia a dia da redação do maior jornal do Noroeste.
Disputei uma vaga de repórter com 30 outros profissionais e tive a sorte (na verdade foi Deus, que ouviu as preces de minha mãe) de ser o escolhido para a Editoria Local, que cobre os acontecimentos cotidianos da cidade. Mas já no primeiro dia, coisa do destino, o repórter policial estava a campo e minha primeira matéria foi cobrir um crime inusitado: uma mulher havia cravado uma faca na cabeça de um homem porque ele, seu amigo-camarada, havia se recusado a pagar uma pinga naquela manhã quente de uma segunda-feira. Chego lá, a vítima na maca sendo socorrida e levada para uma ambulância, ainda trazia a faca na cabeça e conversava com a autora. Faço as perguntas básicas: por que, como? Ela me conta o motivo do delito, ele concorda com ela e me diz: “Ela é minha amiga, eu não devia ter negado uma pinga, eu mereço” e ela dá um beijo na testa do colega de copo, despedindo-se com um “à tarde a gente toma uma”. Nesse dia soube que estava pronto para escrever sobre os temas mais diversos.
Meses depois, também o destino me reservaria outra grata surpresa: a possibilidade de escrever uma página inteira para a edição de domingo, com o que eu quisesse. E assim nasceu a “Tiros de Ideias”, que trazia cultura, arte, literatura, veneno e uma imagem exclusiva, que sempre tinha um forte significado. A coluna era muito comentada, tinha fãs (o que hoje chamamos de seguidores) e foi premiada, tendo inclusive recebido Moção de Aplauso da Câmara de Vereadores ‘por suas abordagens cultas e sui generis’. Uau!
Sempre preparávamos matérias especiais para as edições de domingo e, além de uma entrevista especial, eu propus – e o editor abraçou a ideia – o debate de um tema polêmico, colocando duas pessoas com opiniões díspares em uma espécie de confronto: uma contra, uma a favor. E os temas foram vários (cultura, política, aborto, eutanásia e religião, entre outros). Um dos enfrentamentos deu o que falar, porque a opinião de um dos entrevistados (o tema era ecumenismo) pareceu, digamos, grotesca ante à resposta do outro convidado. E, como tratava-se de uma “alta autoridade”, ele foi até o diretor-presidente e pediu minha cabeça, negando ter dito o que disse. Experiente (para não dizer calejado) e preparado para as polêmicas, Ilídio Coelho Sobrinho foi até à redação e me disse: “Semana que vem quero outro tema ainda mais apimentado: deu edição esgotada!”.
Escrever, para mim, além de ofício é sina e privilégio. Tive no Ilustrado a oportunidade de aprender – e muito – sobre como cumprir, com leveza e satisfação, a obrigação de entregar dois, três, cinco textos diários, independentemente de concordar, gostar, achar interessante ou contrariar princípios: um jornalista deve produzir textos.
Sou um pequeno tijolo entre os milhares de profissionais que estruturaram a faraônica obra que é o Umuarama Ilustrado, agora quinquagenário. Porém, a honradez de constar no rol de uma trupe de ilustres, faz de mim um jornalista ilustrado. E isso não é pouco!
Vida longa à informação! Vivam os bons textos!
ANTONIO CASTANHA FILHO, jornalista