Dr. Eliseu Auth

09/08/2022

O pai moderno e o Imposto de Renda

09/08/2022 15H06

Jornal Ilustrado - O pai moderno e o Imposto de Renda

Eliseu Auth

Todo ano repito o que li no jornal “Fenacon”. Vale a pena e nossos filhos merecem: “O pai moderno passa a vida correndo em busca do futuro e esquece o presente. Com orgulho, a cada ano, declara o Imposto de renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito trabalho. Lotes, casas, sítios, automóvel do ano – tudo custou dias, semanas se meses de luta. Mas ele está sedimentando o futuro da família… Se partir de repente, já cumpriu sua missão e não vai deixá-la desamparada. Para aumentar os bens, ele não se contenta com um emprego só – é preciso ter dois ou três, vender férias, levar serviço para a casa. É um tal de viajar, almoçar fora, preencher a agenda – ele é um executivo dinâmico e não pode fraquejar. Este homem esquece que a verdadeira declaração de bens, o valor que conta está em outra página do formulário do imposto de renda. Está nas linhas modestas onde se lê: Relação dos dependentes, pessoas a quem deve dedicar melhor o seu tempo.

       Os filhos, novos demais, não estão interessados em propriedades e no aumento da renda. Eles só querem um pai para conviver, dialogar e brincar. Os anos passam, os meninos crescem, e o pai nem percebe. Entregou-se de tal forma à construção do futuro, que não participou de suas pequenas realizações do presente. Não os levou ao colégio, nunca foi a uma festa infantil, não teve tempo para assistir a coroação da filha como Rainha da Primavera. Há filhos órfãos de pais vivos. Pai para um lado, mãe para outro. Família desintegrada, sem amor, sem diálogo nem convivência. Depois de uma dramática experiência familiar, diz o pai que não há tempo melhor aplicado que aquele dedicado aos filhos. Agora estou aqui com o resultado de tanto esforço: construí o futuro e não sei o que fazer dele, depois da perda de Luiz Otávio e Priscila. De que vale tudo o que juntei, se meus filhos não estão mais aqui para aproveitar isso com a gente? Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido por um incêndio e desses bens não restasse nada mais que cinzas, isso não teria importância. Os valores mudaram e o dinheiro é o mínimo.

       Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura do meu filho amado que se drogou e morreu e não evitou a fuga de minha filha que se prostituiu, saiu de casa, e dela não tenho mais notícias, para que serve? Eu trocaria – explodindo de felicidade – todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive que retirar da relação de dependentes: os nomes de Luiz Otávio e de Priscila. Meu filho partiu aos 14 anos e minha filha fugiu um mês antes de completar 15 anos”. Com nó na garganta, relembro o pai moderno e o Imposto de renda. 

       (Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).