15.02.2022
Eliseu Auth
Já disse que quando guri, queria ser padre e fui para o seminário. A par da educação religiosa, a disciplina e o regime de estudos eram muito rígidos. No método, o objetivo era formar o caráter dos futuros sacerdotes, preparando-os moral e culturalmente para a santa missão. Para quem desistisse da vocação, projetava-se cidadãos do bem. O seminário seu papel. De minha parte, ainda que tenha sofrido castigos e reprimendas exagerados, nenhuma mágoa ficou. Só gratidão. Havia estudo sério e estudo livre. Naquele, as tarefas das aulas e neste, a leitura obrigatória de livros que havia na vasta biblioteca. De cada livro lido cobrava-se comentários e o resumo compartilhado com os demais.
Digo isso porque é importante. Lá aprendi e depois ensinei que o “pulo do gato”, expressão dos estudantes de Direito que significa sucesso na carreira, é ler e estudar. “Sei que nada sei”, apregoava Sócrates. Sim. Há um infinito à frente do que conhecemos. No mundo restrito do que sabemos, está a história com seus erros e acertos. Ela precisa ser lida e ouvida porque diz o que evitar e aponta caminhos por onde andar. Foi nela que encontrei a deliciosa história de Chune Sugihara, um herói anônimo e escondido dos tempos da segunda guerra. Quem o destacou foi revista “SUPER especial”, de junho/2011.
Ninguém imaginava o que estava por detrás do nacionalismo pregado por Hitler. Como atinar que dentro dele havia um ditador cruel, inescrupuloso e de insaciável sede de poder? Ganhou os alemães, apregoando que eram raça superior, uniu-se a outros ditadores e queria o mundo aos pés. Nesse tempo, Sugihara era cônsul japonês na Lituânia, ocupada pelos nazistas que caçavam judeus. Seu país era aliado de Hitler, mas sua alma não. No exercício de sua missão, contrariou o governo de Hiroito e emitiu milhares de vistos para judeus que puderam fugir dos seus assassinos. Concedeu vistos até pela janela do trem, enquanto saía da Lituânia. Em resposta, perdeu o cargo de chanceler e foi ganhar a vida como tradutor. Guardar a dignidade e o respeito à vida, ainda que custe o cargo, esta é a lição de Chune Sugihara.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).