Dr. Eliseu Auth

Eliseu Auth

Uma tara ditatorial

14/10/2024 20H06

Jornal Ilustrado - Uma tara ditatorial

Semana passada, a CCJ da Câmara dos Deputados deu aval a uma PEC (Projeto de Emenda à Constituição), onde querem o direito de revisar as decisões do Supremo e proibir que julgue urgências por um só Ministro, mesmo que depois seja convalidado ou não pelo Colégio do Supremo. É isso?

Tudo é inconstitucional. Se essa gente do congresso quer se vingar do STF, guardião único da Constituição que faz valer, é mostra de clara tara ditadorial. Explico. Estão raivosos porque o Ministro Flávio Dino está exigindo que sejam transparentes nas emendas parlamentares que são dinheiro nosso. Eles sequestaram grande parte do orçamento que deveria servir para políticas pública e o mandam para seus currais eleitorais. Enchem-nos de dinheiro público sem dizer para que fim e nem mostram quem as mandou. Abastecem seus redutos com os impostos que pagamos. Aí se elegem e reelegem num contexto em que os mesmos ficarão no poder, maculando sua alternância.

A transparência é fundamento para gastar dinheiro público. Ela protege contra desvio e mau uso. Que há de mal na decisão monocrática do Ministro Flávio Dino que impediu a desfaçatez que sangrava dinheiro do orçamento sem dizer para quê e nem quem mandava? A decisão precisou ser rápida, mas deve ser referendada pelo plenário da Corte. O congresso não gostou e diz que é ditadura do judiciário. Quer vingar-se com uma pec ilegal para dominar o Supremo, inclusive revisar suas decisões. A ilegalidade brada aos céus.

Entendo que emendas parlamentares são ilegais em si. Volto ao século XVIII e bendigo o Iluminismo que nos brindou com um salto civilizatório. Muita gente boa participou disso. Lá estavam Kant, Diderot, D´Alembert, Voltaire, Hume, Locke, Montesquieu, Rousseau e outros, todos contra o absolutismo. Daí brotaram regimes baseados na lei e não na vontade do rei, como era. Dividiu-se os poderes do Estado em executivo, judiciário e legislativo, cada um com sua função e isso foi acolhido no mundo civilizado, inclusive aqui. Administrar o dinheiro do orçamento é atribuição privativa do Executivo e não do congresso, como diz o artigo 84, inciso II da Constituição. Como pode ele pegar esse dinheiro e fazer dele o que quer? Está na hora de o Supremo acabar com essa bagunça das emendas que é uma tara ditatorial.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).