Dr. Eliseu Auth

21/06/2022

Uma estocada no atraso

21/06/2022 05H25

Jornal Ilustrado - Uma estocada no atraso

Eliseu Auth

Há alguns dias, o STJ – Superior Tribunal de Justiça – deu ganho de causa a três cidadãos que pediram autorização para cultivar, em casa, a planta “Cannabis Sativa” (maconha), para uso medicinal. Nossa lei anti-drogas não permite isso, nem a Anvisa ou o Ministério da Saúde regulamentam a matéria.

A medicina já comprovou que o óleo dessa planta é remédio para tratamento de doenças como epilepsia, autismo, glaucoma, alzheimer, mal de parkinson, fibromialgia, ansiedade, esclerose múltipla, distúrbios de sono e efeitos de quimioterapia. Quem tem um desses males, ou importa o óleo com preço proibitivo, ou precisa recorrer à Justiça para tê-lo. Nossa lei é omissa e isso causa sofrimento e dor em grande número de brasileiros à espera de uma solução que poderia estar aí, mas não está e não vem. Há um falso pudor para tratar do assunto, muitas vezes motivado pelas religiões que cultuam a hipocrisia e vêm com “dogmas” e “falsas verdades”, segundo o relator.

Temos a terceira maior população carcerária do mundo e a maior parte dos presos está atrás das grades por tráfico de drogas. Qualquer pessoa que pensa um pouco vai concluir que algo está errado no formato da nossa equação prisional. Continuamos com uma demagógica mania de recrudescer penas, em nome do combate à criminalidade e desprezamos preciosas lições do abolicionismo penal. Ninguém quer radical abolição, mas uma visão mais humana e preventiva é mais eficiente que a repressão e suas penas altas. É fato que esquecemos a sabedoria de Cesare Beccaria: “Um dos maiores freios dos crimes não é a crueldade das penas, porém a sua infalibilidade”.

É preciso enfrentar a questão da “cannabis sativa”, sem medo nem pudor. Claro, sempre com médicos atestando a doença e os órgãos públicos acompanhando quem precisa da maconha medicinal. Precisou a Justiça abrir o caminho. Sempre a Justiça, essa extraordinária instituição democrática que opera a lei, interpreta-a e manda cumpri-la. Também foi assim no caso do aborto anencefálico que a hipocrisia e ignorância dos dogmas religiosos não queriam aceitar. Um atraso que clama aos céus. Mas, ainda temos Justiça! Em ambos os casos, lá atrás e aqui, ela deu uma estocada no atraso.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).