Eliseu Auth
Antônio Cícero, um filósofo e poeta que honrou o Brasil e a Academia brasileira de Letras, nos deixou na semana que passou. Sofria de Alzheimer que o impedia de fazer o que gostava e preferiu arribar para a eternidade, em morte sem dor que foi buscar na Suíça que permite a eutanásia.
Eutanásia vem de “tânatos” que é morte em grego e do prefixo “eu” que significa “bem” ou “boa”. Abreviar a vida, sem dor e sofrimento, em caso de doença incurável, eufemiza o meu amarelado Aurélio. Não se trata do medo e da angústia sempre possíveis na certeza de quem sabe que vai partir um dia.
Lá atrás, o filósofo Epicuro procurou nos livrar do medo da morte. Talvez mais agrade que convença ao afirmar que “quando você existe, a morte não existe e o que não existe não pode prejudicar quem ainda existe”. A idéia não quer sofrimento por antecipação. Já o estóico Epicteto reafirmou o consolo epicurista e raciocinou na mesma linha: “A morte, o mais temido dos males, não nos preocupa; enquanto existimos, a morte não está presente, e quando a morte está presente, não existimos mais. Claro que ele leu Epicuro.
Se tudo é um vir a ser e passa, como Heráclito inscreveu no frontispício da academia de Éfeso, não precisamos ser passageiros da agonia. Cada um pense o que quer sobre a eutanásia, mas que venha com lógica. Nem precisa se espantar como Raskolnikov, personagem de Dostoiéwski, no livro “Crime e Castigo”, ao desabafar: “Onde foi que li sobre um homem condenado à morte, uma hora antes da execução, desejar que se tivesse de viver em um penhasco com saliência tão estreita que só coubesse ele ali e se houvesse abismos sem fundo e solidão em volta, e se ele tivesse de passar toda a vida naquele espaço apertado, mil anos, uma eternidade? Ele prefeririria viver assim, a morrer de uma vez! Oh, apenas viver, viver, viver!” Se o desejo de viver é inato em nós, a fé conforta com uma outra vida depois da existência terrena. Creio nela pela minha fé de berço e busco praticar o bem. Existindo, não há o que temer.
Nossa lei não aceita a eutanásia. Tipifica-a como crime de homicídio privilegiado (art. 121, § 1º CP). A lei segue preconceitos religiosos com requintes de crueldade. Imputa como homicídio suavizar a morte do enfermo às portas dela que poderia não ser cruel. Essa cegueira religiosa exige prolongar o sofrimento e a lei corre atrás. Se o sofrimento pode ser abreviado, que haja humanidade com quem está partindo. Às favas os leguléios e o entulho obscurantista que precisa mudar. Um dia vamos entender a eutanásia.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).