INFORME UEM AGRICOLA
Antônio Carlos Andrade Gonçalves
Professor Associado do departamento de Agronomia da UEM
O planeta Terra é ocupado atualmente por cerca de 7,2 bilhões de seres humanos, em uma distribuição irregular sobre a porção sólida da superfície, sendo que um dos parâmetros que orientaram esta ocupação está associado à oferta de recursos naturais necessários para a existência humana. Ao longo da história, foram incorporados vários outros fatores, sobretudo alguns de natureza cultural, os quais contribuíram para o crescimento da disparidade entre a demanda de recursos, decorrente da densidade demográfica, e a oferta de recursos naturais que atualmente pode ser observada nas diferentes regiões do mundo.
Fatores socioeconômicos, bem como de natureza ambiental, têm agravado o cenário em algumas regiões do planeta. A perspectiva de que a humanidade chegará a meados do século XXI com uma população superior a 9,0 bilhões de seres humanos, associada à distribuição espacial irregular das taxas de crescimento demográfico, contribui de sobremaneira para o desequilíbrio desta relação de oferta e demanda de recursos.
De maneira complementar a todos estes fatos, tem-se verificado cientificamente que a oferta de recursos naturais, em especial da água, tem sido influenciada por modificações ambientais, as quais, ao menos em parte, evidencia-se serem influenciadas por ações antrópicas.
Todos estes aspectos levam à percepção de que a questão de segurança alimentar da humanidade é merecedora de extrema atenção, no sentido de se mitigar os efeitos dos diversos fatores adversos ao equilíbrio entre demanda e oferta de recursos. Neste sentido, a organização das nações unidas para alimentação e agricultura (FAO) divulgou uma análise dos dados e previsões referentes à produção agrícola e pecuária nas diversas regiões do mundo. Na Figura 1 são mostrados estes valores.
A análise deste gráfico revela que até o ano 2000 a América do Norte se destacava pelo excedente produzido, superior a todas as demais regiões, na ordem de 100 milhões de toneladas equivalentes (MTE), enquanto a América do Sul estava abaixo de 30 MTE, valor semelhante ao referente à Oceania. Junto ao leste europeu e Rússia, estas quatro regiões eram as superavitárias até o ano 2000 e se mantiveram assim, porém com ligeiro acréscimo para a América do Norte e para Oceania, em termos percentuais, revelando que estas regiões já haviam atingido grande parte do seu potencial de produção.
Figura 1 – Projeção do excedente e do deficit de produção de alimentos no mundo, por regiões, de acordo com a FAO, entre 1990 e 2025, em milhões de toneladas equivalentes (MTE) de cereais, óleos, proteína animal, biocombustível e fibras.
O Leste Europeu e a Rússia mostraram e projetam evolução maior dos valores de excedente, enquanto fica evidente a enorme evolução do excedente na América do Sul, configurando projeções históricas que sinalizavam para o fato de que o Brasil em particular, em conjunto com seus vizinhos, seria o “celeiro do mundo”.
O potencial de geração de excedente da América do Sul evidencia-se, cada vez mais, como sendo essencial para a segurança alimentar em um mundo no qual a inclusão social que ocorre nas demais regiões, notadamente na Ásia, acarreta um crescimento acentuado do déficit de produção nestas regiões. Enquanto a Europa ocidental se mantém em uma condição de pequeno déficit no presente e futuro próximo, o continente Africano expressa elevado crescimento do seu déficit até 2025, mantendo tendência de elevação. A mesma tendência se verifica para um conjunto de países em desenvolvimento em outros continentes. Juntos à África, compõem um déficit em 2025 da ordem de -200 MTE.
Valor de déficit semelhante ao que se projeta para a região do oriente médio, em 2025. Situação extrema é evidenciada na Ásia em geral, na qual o déficit atinge -300 MTE já em 2025. Para esta região, de acordo com as projeções de evolução socioeconômica, estima-se a inclusão, nos próximos 30 anos, de mais de 1,0 bilhão de pessoas, no padrão de consumo destes produtos, impactando fortemente os níveis de déficit apresentados. Uma análise geral da Figura 1 mostra que as projeções de excedentes, em conjunto, não estão crescendo no mesmo nível da projeção dos déficits, até ao ano de 2025, pelo menos. Considerando-se toda esta realidade, a perspectiva é de que, nos próximos 30 anos, a produção global deverá sofrer incremento de 70%, para poder atender à demanda projetada. Ao que tudo sinaliza, grande parte deste incremento ficará a cargo da América do Sul, em especial ao Brasil.
Levando-se em conta dados da FAO, segundo os quais 33% dos solos agricultáveis no mundo encontram-se degradados, que a salinização já inviabilizou quase um milhão de km2 de áreas agricultáveis e que processos de degradação levam à perda de 25 a 40 bilhões de toneladas de solo por ano, no mundo, viabilizar o atendimento a esta demanda crescente é um imenso desafio.
Neste cenário, a produção Brasileira é vista como elemento fundamental para a segurança alimentar mundial. Seu crescimento, ao longo das últimas décadas, mostra capacidade de reação frente à demanda crescente, sendo fortemente alicerçada na evolução tecnológica como agente de incremento de produtividade.
Embora o Brasil ainda tenha possibilidades maiores que as da maioria dos países no mundo de expandir área cultivada, nas últimas décadas seu crescimento de produção está centrado nos incrementos de produtividade das culturas. Isto somente foi possível em função da sólida base científica desenvolvida neste período, que traçou os rumos para a evolução tecnológica que se tem atualmente.
Para se enfrentar os desafios que estão projetados para os próximos 30 anos, com chance de êxito, é imprescindível dar ênfase à ciência e à tecnologia, por meio da pesquisa feita em nossas instituições de ensino e pesquisa. Negligenciar investimentos em desenvolvimento científico e tecnológico neste momento nos afastará das possibilidades de êxito no enfrentamento deste desafio.
Precisaremos de muito conhecimento consolidado para reverter processos de degradação do ambiente de produção, de incorporação eficiente de novas estratégias de produção e de novas tecnologias, as quais deverão, inclusive, consolidar novos paradigmas para os sistemas de produção em geral, buscando novos patamares de produtividade, com sustentabilidade.
Para tornar possível superar os desafios impostos, a sociedade tem o compromisso de se regulamentar de forma a assegurar a sustentabilidade, nas suas três vertentes, econômica, social e ambiental. As instituições de ensino, sobretudo, devem estar compromissadas com a preparação de recursos humanos capazes de contextualizar, no seu exercício profissional, esta dinâmica inerente à segurança alimentar mundial, para o que devem ser capazes de lidar com a tecnologia de forma a fazer dela instrumento eficaz de produção, compreendendo e interagindo com suas nuances.
Em grande escala, isto implica em novas compreensões e novas metodologias no processo de ensino. Por fim, a compreensão de que a essência de todo conhecimento é a sua aplicação prática, leva à constatação de que as atividades de extensão continuam imprescindíveis, para assegurar a todos os produtores, nos mais diversos níveis, os elementos necessários para que o processo de produção seja conduzido, em cada uma das unidades produtivas, dentro dos paradigmas de sustentabilidade e eficiência necessários.