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RVIDORES PÚBLICOS NÃO SÃO PARASITAS!!!

15/02/2020 13H50

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HELTON KRAMER LUSTOZA

A definição do termo parasita no dicionário Michelis é “organismo que vive em outro organismo (hospedeiro), dele retirando seu alimento e geralmente causando-lhe dano”. Assim, em outras palavras, o parasita se alimenta do outro organismo, debilitando-o, mas sem chegar necessariamente a matá-lo.

Foi com este termo que os servidores públicos foram comparados pelo Ministro Paulo Guedes, ao defender as reformas econômicas do governo. Alegou o Ministro que ao reivindicarem reajustes salariais em meio à crise fiscal, os funcionários pareciam “parasitas” se aproveitando de um “hospedeiro que está morrendo”.

Ninguém desconhece a dificuldade que existe no equilíbrio das constas públicas, bem como em conciliar os direitos constitucionais dos servidores com um orçamento financeiro limitado. Contudo, comparar os servidores públicos com “parasitas”, seja qual for o contexto que se queira definir, sem dúvidas foi uma infelicidade sem proporção.

É comum a utilização de argumentos de que a maioria da população é contrária aos direitos dos servidores públicos. Isso tem fortalecido vozes no governo para lançar novas tentativas de extinguir a estabilidade, reduzir carga horária e endurecer as regras de promoção e reajuste salarial.

Inclusive, em um momento anterior, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu uma Reforma do Estado, trazendo inúmeras mudanças na estrutura da Administração Pública, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, planos de retirada do Estado de alguns setores da economia, concessões de Serviços públicos, etc. Mas entre estas medidas, tentou-se retirar a estabilidade dos servidores públicos, sob o fundamento de que impediria a adequação dos quadros de funcionários às reais necessidades do serviço, ao mesmo tempo que inviabilizaria a implantação de um sistema de administração pública eficiente. Porém, logo em seguida, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade deste ponto, em respeito aos primados constitucionais do concurso público, impessoalidade e indisponibilidade do interesse público.

Ocorre que a defesa da estabilidade ainda é justificável enquanto o patrimonialismo for dominante e a sociedade depender de uma atuação impessoal do Estado. Se alguém ainda tem dúvidas sobre a força do chamado patrimonialismo no Brasil – forma de poder envolvendo os poderes econômico, social e político – detido pelas elites locais, basta ler a obra “Coronelismo, Enxada e Voto” de Victor Nunes Leal. Nesta obra o autor denuncia a extensão da autoridade dos “coronéis” e como isso sempre foi um obstáculo à gestão pública comprometida com valores como a impessoalidade e a igualdade.

Certamente temos vários problemas no serviço público, sendo alguns até berrantes. Cada um que estiver lendo este artigo deve ter um exemplo de servidor público que possua um privilégio injustificável ou até que trabalhe de forma desidiosa. São problemas que devem ser corrigidos, até mesmo com a demissão, se for necessário, em respeito ao princípio do republicanismo e da isonomia.

Porém, alterar o sistema institucional por completo, retirando a estabilidade e outros institutos que asseguram a impessoalidade da Administração Pública, não acreditamos ser a solução. Até porque, além dos maus funcionários (os quais deveriam já ter sido extirpados do serviço público), existem servidores públicos que desempenham um trabalho de vital importância para a sociedade.

Precisamos rebater a falácia de que a estabilidade impossibilita a demissão de servidores públicos que não cumprem seus deveres, uma vez que ele poderá perder o cargo mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho (art 41, III CF). Isso deixa claro que a estabilidade pode dificultar, mas jamais impedir que servidores negligentes sejam desligados do serviço público. Esta dificuldade reside não no instituto da estabilidade, mas sobretudo na omissão condescendente dos seus chefes.

A responsabilidade do servidor público é muito maior do que se imagina, sendo que algumas garantias do cargo não podem ser confundidas com privilégios, mas sim com necessidade. Como se poderia imaginar um Auditor Fiscal Municipal fiscalizando um parente do Prefeito. Certamente se não houvesse estabilidade, este servidor público já estaria com seus dias contados na Administração Pública.

Ao longo destes anos que atuo na Advocacia Pública, tive a oportunidade de conhecer muitos servidores públicos íntegros e exemplares, os quais exercem com zelo as atribuições do cargo, observando todas as normas legais e regulamentares.

Defendo a eficiência administrativa e as formas de monitoramento dos serviços públicos a fim de atingir um melhor atendimento das necessidades públicas. Mas não podemos esquecer que o Estado depende da engrenagem neste processo. Isto é, nenhum País, Estado ou Município funciona sem seu quadro de servidores públicos, responsáveis pelos diversos serviços fornecidos ao cidadão. E no âmbito deste processo, a estabilidade é uma forma adequada de proteger os funcionários e o próprio Estado contra as práticas patrimonialistas que eram dominantes nos regimes pré-capitalistas e ainda, infelizmente, estão presentes. No Brasil, por exemplo, havia, durante o Império, a prática da “derrubada”: quando caia o governo, eram demitidos não apenas os portadores de cargos de direção, mas também muitos dos funcionários administrativos.

Para formar sua opinião sobre o assunto, responda mentalmente as seguintes perguntas: você acredita que a retirada da estabilidade irá garantir nomeação de servidores comprometidos com o interesse público? Em geral, os agentes políticos (federal, estaduais e municipais) tem o hábito de nomear (agentes comissionados) pessoas capacitadas para cargos em comissão?

Além do tom pejorativo utilizado pelo Ministro, em várias oportunidades a opinião pública é conduzida a acreditar que o esgotamento dos serviços públicos seria a solução dos problemas nacionais. Certamente estas pessoas não imaginaram um sistema de saúde sem SUS, educação sem escolas públicas, sistema financeiro dependente de bancos privados e transporte dependente exclusivamente de empresários.

O que precisa ser entendido é que os direitos constitucionais assegurados aos servidores públicos são garantias inerentes ao exercício do serviço público, garantindo independência ao funcionário e o protegendo do arbítrio de governantes. É essencial que, ao invés de um desprestígio em relação as carreiras públicas, haja a criação de um planejamento e racionalidade administrativa. E que esta organização consiga garantir que bons servidores públicos sejam valorizados e tenham asseguradas suas prerrogativas do exercício do cargo e, via de consequência, sejam extirpados aqueles que se utilizam do cargo público como forma de privilégios pessoais.

HELTON KRAMER LUSTOZA

Professor do Curso de Direito da UNIPAR