UMUARAMA
Clodoaldo Porto Filho é psicólogo da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) em Umuarama e professor dos cursos de Psicologia e Direito da UniAlfa Faculdade. Porém o futuro dele poderia ter sido diferente, por ser negro, quase foi preso acusado de ter roubado um celular. Hoje engajado nos debates sobre a Consciência Negra, data celebrada neste domingo (20), o entrevistado fala aos leitores do Jornal Umuarama Ilustrado.
Clodoaldo ressalta que a data é um dia de conscientização, principalmente da história de um Brasil escravocrata com uma trajetória de derramamento de sangue negro, exploração, genocídio, estupros e desigualdade social. “O fim da escravidão, sabemos que não foi da forma como os livros didáticos falam. Existiu uma pressão, principalmente por parte da Inglaterra. Quando ocorreu, os negros foram colocados na sociedade sem um planejamento, foram simplesmente jogados nas cidades, situação que criou todo um problema que vem ecoando até 2022”, ressaltou.
Entre o tema racismo e oportunidades, o professor acredita que existem avanços, mas a passos lentos. “Temos uma conscientização sendo formada. Nos últimos números do Data Folha foi divulgado que 70% da população brasileira vê o racismo como uma situação a ser discutida. Isso vem a partir da luta da Consciência Negra e de cidades brasileiras usarem a data para fazer uma reflexão. Porém, o assunto não pode ficar só no dia 20 de novembro, tem que ser discutido o ano todo”, enfatizou.
Na fala de Porto Filho, o Brasil nunca havia tratado a temática de forma séria, porém há alguns anos começou com a implantação das políticas de cotas, que vem gerando mudanças na aquisição de conhecimento e até campanhas publicitárias observando o negro como consumidor, uma vez que a população negra (pretos e pardos) corresponde por 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, porém só 19% dos negros pertencem à classe A/B; 52% à classe C; e 29% à classe D/E, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dentro dos avanços ao combate do racismo e a desigualdade social – em relação aos negros – o psicólogo aponta a política de cotas e lembra de quando terminou seu ensino médio. “Quando terminei o ensino médio em 1996 eu não sabia nem como fazia para entrar em uma faculdade, então voltei a trabalhar na informalidade. Só fui entrar em uma faculdade em 2002. A política de cotas vem promovendo a inclusão da comunidade negra na universidade. Para se ter ideia, em 1997 só havia 1% de negros na USP”, informou.
Neste universo do ensino superior, o site Quero Bolsa soltou o levantamento mostrando que de 2010 a 2019, o número de estudantes negros no ensino superior cresceu quase 400%, totalizando 38,15% dos matriculados. No entanto, o percentual ainda está abaixo de sua representatividade dos negros no conjunto da população brasileira, que alcança 56%.
Outro ponto abordado pelo entrevistado é a necessidade de avanços no cenário da educação, com ampliação de cotas para pós-graduação, mestrado e doutorado, como também, políticas de permanência. “Muitos alunos não permanecem no ensino superior, pois não conseguem se manter e acabam tendo que abandonar o estudo para trabalhar”, alertou.
Com mais negros assumindo profissões, que antes eram difíceis de ser alcançadas, essas pessoas se tornaram exemplos para os mais jovens. “As políticas afirmativas também são importantes e conseguem mudar o cenário. Não é só colocar um negro na Universidade, a partir do momento que este aluno sai do ensino superior formado ele é um exemplo para os outros. Todos observam que é possível e que ‘nós podemos’. Na defensoria eu percebo o olhar dos menores quando falo que sou o psicólogo. Eles observam que é possível um negro ser professor de uma faculdade, dos espaços serem ocupados”, noticiou.
Clodoaldo Porto Filho finaliza sua fala alertando que não basta não ser racista é preciso ser antirracista, mas para isso a população precisa de leitura de embasamento. “Um exemplo: vemos a violência para religiões de matrizes africana, sem nem conhecerem o que são as religiões. Acham que é coisa do ‘maligno’ e associam o negro a coisas ruins. Essas pessoas não têm leitura sobre esse cenário, não tem leitura sobre os 400 anos de escravidão no Brasil. O racismo não começou em 2022, as pessoas precisam conhecer a história do Brasil. Já para os jovens negros, enfatizo para persistirem nos seus sonhos e estamos juntos”, finalizou.