Helton K. Lustoza

14/02/2021

Paternalismo de pai ausente

13/02/2021 15H05

Jornal Ilustrado - Paternalismo de pai ausente

Helton Kramer Lustoza

O termo paternalismo, de acordo com a língua portuguesa, consiste em um “sistema de relação entre os chefes e os subordinados, seguindo concepção paternal da autoridade” (FERREIRA, 2010, p.569). Poderíamos dizer que estaria relacionado à ideia segundo a qual certo indivíduo, que se considera possuidor de maior conhecimento e capacidade, toma decisões em lugar de outrem, cujo interesse se pretende resguardar.

Percebe-se que o Estado contemporâneo possui a tendência de agir de modo paternalista em virtude, sobretudo, do empoderamento que lhe é conferido na condição de Poder constitucionalmente instituído. A própria ordem constitucional incumbe o Poder Público de atingir os objetivos fundamentais de garantia e preservação do pluralismo e tutela da dignidade da pessoa humana, o que lhe direciona para escolhas de cunho social.

É comum encontrarmos decisões judiciais e legislações que direcionam a sociedade para determinarmos objetivos, transformando a escolha individual em coletiva, como por exemplo, o impedimento da homeschooling (ensino domiciliar), proibição de fumar em lugares públicos, obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, etc.

Mas qual seria o limite de escolhas que o Estado pode realizar em nome dos indivíduos? Até que ponto o coletivo vai decidir pelo individual?

Neste contexto, muitas pessoas interpretam o Estado como um pai em relação ao filho incapaz. O problema que esta relação acaba, em muitos casos, infantilizando ainda mais a sociedade, sendo que este paternalismo acaba representando um pai ausente. Isto porque, “o Estado é ausente, pois incapaz de prover tudo o que promete e dele é esperado. A promessa retórica e constitucional é frustrada a todo momento, o que estranhamente reforça a ilusão de que um dia os direitos sociais (saúde, ensino, segurança) serão plenamente realizados” (Bruno Garschagen).

Mas o que desejo chamar a atenção seria para o fato de que o Estado assume a função de guardião do cidadão, o que, em muitos casos, acaba por eliminar a responsabilidade do indivíduo. Se a pessoa não precisa se esforçar para conquistar aquilo que almeja ou não responde por aquilo que decide, sua conduta é direcionada em manter um tutor institucional a fim de ter acesso algum benefício em vez de se empenhar para conquistar em razão de seu direito.

Não escrevo contra a assistência social aos hipossuficientes, muito menos em face aos direitos sociais, mas o problema é quando este paternalismo se transforma em regra, onde acaba aumentando a infantilização da sociedade, a ponto de ninguém assumir a culpa por decisões ocorridas no ambiente político e social.

O autor francês Alexis Tocqueville já alertava que após a conquista democrática haveria um risco da formação de uma espécie de despotismo democrático, através do qual os indivíduos iriam se infantilizar a ponto de virar joguetes dos seus governantes. E a partir deste momento, haveria um iminente risco destes indivíduos renunciarem sua autonomia em troca de privilégios.

Vivemos em um tempo em que todos tem direito e ninguém tem deveres, de forma que os agentes políticos têm a firme convicção de que os cidadãos não conseguiriam cuidar da sua própria vida se não fosse a ajuda estatal. E muitos destes políticos utilizam a Administração Pública como uma máquina de concessão de benefícios em troca da manutenção deste mesmo sistema. Muitos não percebem o mal que tal sistema causa para o amadurecimento da sociedade, de forma que deixam nas mãos do Estado escolhas que o próprio indivíduo deveria assumir a responsabilidade.

Chegamos ao ponto que o próprio Estado nos proíbe em votar em candidatos “ficha suja”, por não haver uma compreensão social acerca das consequencias deste ato; temos que deixar o Estado disciplinar que o voto é obrigatório, da mesma forma que o filho aguarda o pai acordá-lo para não perder o horário da aula. Essas e inúmeras outras situações demonstram que existe algo errado nesta relação social, ao ponto em que ninguém assume suas responsabilidades.

O caminho é o exercício de uma vida responsável, onde as pessoas deveriam conduzir corajosamente as decisões sociais, não se colocando como vítimas de um jogo político, do qual a própria sociedade optou. Devemos ter a noção da importância de nossas decisões, sermos responsáveis por tudo que realmente nos empenhamos para conquistar, para o ponto de sermos capazes de transmitir tal legado para nossos descendentes.

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado do Paraná

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com