Eliseu Auth
Gosto muito de Geraldo Vandré, uma de muitas vítimas da ditadura militar de 1964. Não me chamem de comunista porque minha história é de horror a qualquer tipo de ditadura, seja de direita, esquerda ou em nome de Deus. No meu tempo de universidade, a música “Para não dizer que não falei de flores” era alimento para as almas que sonhavam com liberdade e tinham horror à tirania que reinava. Ainda ouço o cantarolar: “A certeza na frente e a história na mão (…) Somos todos iguais, braços dados ou não”, evocando as lutas estudantis e libertárias contra a opressão e as torturas que sofremos na carne.
Na peça “Júlio César”, William Shakespeare mostra a tragédia do ditador romano que conquistou as Gálias e foi assassinado, concluindo que “o homem quando caminha, o que vai à sua frente é o seu passado”. O lado ditatorial de César e a crueldade na conquista das Gálias é do passado que o levou ao fim.
A história caminha à nossa frente, nas convicções e princípios que aprendemos. Isso o bem ou para o mal. De pequeno, na dura vida da roça vivi na austeridade, sou grato por ela. Papai e mamãe eram docemente austeros, mas implacáveis com a honestidade. Quando íamos ao bolicho buscar alguma mercadoria, davam o dinheiro e exigiam prestação de contas e o troco. Se devêssemos um patacão para alguém, que gastássemos dez para ir atrás e pagá-lo. O homem honrado paga o que deve e precisa ser honesto, ensinavam.
No título botei a austeridade na coisa pública. Me inspirei nela para irrogar contra coisas nada austeras que fazem ninho em nosso Congresso Nacional. Seus ultra-conservadores não deixam tributar ricos e ainda lhes garantem isenções bilhardárias, mas reclamam dos gastos com saúde, educação e moradia para necessitados. A traquinagem é contra qualquer reajuste em aposentadorias e salários. Que morram os pobres, devem raciocinar enquanto ensaiam fazer lei para acumular seis salários de deputado com suas próprias aposentadorias no cargo. A desfaçatez não pára aí! Sob o título de emendas, pegam 54 bilhões do orçamento que o Executivo precisaria para governar, e os mandam para garantir apoios nos currais eleitorais. É pouco? Não! Agora pretendem aumentar o número de deputados federais. De 513 querem vagas para 531. Estamos falando da coisa pública. Para onde foi a austeridade?
(Eliseu Auth foi promotor de Justiça e é advogado).