Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
“Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas; que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra.” (Chefe Indígena).
Francisco de Assis, há séculos, descobriu a dimensão do respeito, cuidado e admiração que devemos ter com toda criação. São Francisco fundou um novo humanismo, uma síntese feliz entre a ecologia exterior (cuidado para com todos os seres) e a ecologia interior (ternura, amor, compaixão e veneração). Enquanto nós somos velhos, ele é novo, mesmo tendo vivido mais de 800 anos antes de nós.
Se os seres humanos possuem dignidade e direitos, como é consenso dos povos, e se a Terra e seres humanos constituem uma unidade indivisível, então podemos dizer que a Terra participa da dignidade e dos direitos dos seres humanos. Por esta razão não pode sofrer sistemática agressão, exploração e depredação por um projeto de civilização que apenas a vê como algo sem inteligência e a trata sem nenhum respeito, negando-lhe valor autônomo e intrínseco em função da acumulação de bens materiais. É uma ofensa à sua dignidade e uma violação de seus direitos de poder continuar inteira, limpa e com capacidade de reprodução e de regeneração.
Pode soar estranha tal afirmação, pois dignidade e direitos eram reservados somente aos seres humanos, portadores de consciência e inteligência. Ainda predomina uma visão antropocêntrica como se nós exclusivamente fôssemos portadores de dignidade. Esquecemos que somos parte de um todo maior. Como dizem renomados cosmólogos, se o espírito está em nós, é sinal de que ele estava antes no universo do qual somos fruto e parte. Há uma tradição da mais alta ancestralidade que sempre entendeu a Terra como a Grande Mãe que nos gera e que fornece tudo o que precisamos para viver. A Terra é um superorganismo vivo que se autorregula para estar sempre apta a manter a vida no planeta.
Importante dizer que está em discussão um projeto na ONU para criar o “Tribunal da Terra” que pune quem viola sua dignidade, desfloresta, contamina seus oceanos e destrói seus ecossistemas vitais para a manutenção do clima e da vida.
O discurso do chefe indígena norte-amaricano (1854), por ocasião de proposta de compra das Terras indígenas feita pelo presidente dos EUA, retrata bem a importância que os nativos dão à Terra. Em um trecho do discurso ele afirma: “isto devemos saber: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto devemos saber: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a Terra recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido fará a si mesmo.”
O papa Francisco, não por acaso, escolheu o nome do santo de Assis – patrono das causas verdes. O seu pontificado está sendo marcado pela simplicidade e pela conscientização em prol da sustentabilidade. Afirma o pontífice, em defesa da Terra, que é possível comungar do planeta sem destruí-lo.
Encerro esta breve reflexão com a essência da Carta da Terra, editada pela Unesco em 2000: “Devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza nos direitos humanos universais, na justiça econômica e em uma cultura da paz. A Terra é nosso lar, e a proteção de sua vitalidade, diversidade e beleza é um dever sagrado.”
Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
Advogado no Paraná
Professor do Curso de Direito da UNIPAR