Ilustrado 50 Anos

Por Leonardo Revesso

O Ilustrado foi a minha maior faculdade de jornalismo

05/08/2023 06H07

Jornal Ilustrado - O Ilustrado foi a minha maior faculdade de jornalismo

Era uma sexta-feira de março de 1991. Eu recém tinha completado 15 anos. O ônibus da Expresso Fátima que me levaria de volta para casa, no bairro Santo Antônio, então Vila Alta (hoje Alto Paraíso), tinha atrasado. Peguei uma ficha de orelhão e liguei para o fone 22-1286, que eu ouvia na então Studio 100 FM (atual Ilustrada). O telefone era do jornal ‘Umuarama Ilustrado’. Eu estava iniciando os estudos no Colégio Pedro II e queria um emprego.

Hora de almoço. A telefonista tinha saído para comer. O telefone caiu na mesa do editor-chefe, o Angelo Rigon. Falei que gostava de ler e escrever, que tinha vencido um concurso de poesia infanto-juvenil, que quando era criança pegava uma espiga de milho e saía entrevistando as pessoas. Disse também que não me importava em ter salário naquele momento e que estava disposto a distribuir jornal nas ruas, desde que eu pudesse ter algum contato com os repórteres.

Em Vila Alta, eu ouvia falar de um antigo morador da Estrada Bela Vista que tinha vindo para Umuarama e escrevia para um jornal. Estou me referindo ao experiente Osmar Nunes, atual editor do Ilustrado.

Rigon então me convidou para ir à Redação na segunda-feira seguinte. Eu quase não dormi naquele final de semana. O dia da entrevista não chegava. Saí do Colégio Pedro II, onde fazia o primeiro ano do segundo grau, fui almoçar como de costume na minha tia Dagmar Revesso (a quem tenho eterna gratidão) e ela me levou à sede do jornal, em seu fusca creme. A conversa com o editor durou cerca de 20 minutos. Angelo me disse que estava procurando um “moleque curioso” para ensinar o nobre ofício da redação jornalística.

Meu Deus!

Aceitei na hora. Pensei que ia ser a coisa mais tremenda do mundo, mas nem tudo são flores no jornalismo. Não é uma profissão fácil, já vou logo avisando. Nos primeiros meses, a rotina foi dura. Saía de casa, no sítio, às 6h40 da manhã, descia na rodoviária às 8h e ia de circular para o Pedro II, com uns minutos de atraso. Deixava a escola ao meio dia, almoçava na tia, no Alto São Francisco, e ia para o jornal, na avenida Tiradentes. Encerrava o expediente na redação no final da tarde e voltava de ônibus para Vila Alta, já com a janta na mesa. Dormia cedo para acordar cedo.

Minha primeira função no Ilustrado foi pentear telex. Eu explico. O telex era uma espécie de computador que recebia matérias de governo, agências e assessorias de imprensa. O conteúdo saía em uma impressora matricial barulhenta. Os textos vinham em caixa alta (letras maiúsculas, sem pontuação e sem acentos gráficos). Cabia a mim fazer essa correção e passar para o editor. Eu passava um pente fino, entendeu?

Era chato, mas foi uma grande escola de texto. Angelo usava uma caneta BIC azul, sem tampa, que ele mantinha atrás da orelha, e fazia correções em cima das minhas correções. O cara era radical, mas eu idolatrava ele. Como todo jornalista seguro de si, Angelo desconfiava de tudo e de todos. O texto dele era perfeito. Quanta elegância no estilo de reportar fatos para o papel.

Ele tremia de nervoso quando eu cometia erros. E foram muitos, centenas, talvez milhares, sei lá. Jamais vou esquecer da bronca que levei no dia em que escrevi “Ouveram dias de luta”. Fui acusado de violentado a língua portuguesa. A mais pura verdade. Outra vez escrevi que os professores prometiam uma “paralização” se não recebessem aumento salarial. Ah, como um bom menino do interior, usava verbos, gerundismos e construções semânticas inexistentes. “Eu posso ponhar vírgula aqui?”.

Acredite, se eu consegui, você também consegue. Siga comigo aqui na leitura.

No sétimo mês dentro do Ilustrado, eu me sentia um fracasso. Eu me ressentia por ser uma caipira do sítio. Tudo o que eu escrevia tinha revisão. Sabe aquela hora que você leva a prova para o professor e ele corrige na sua frente, rabiscando tudo com a caneta vermelha?

Sem coragem de ir para o jornal, liguei para o Angelo e disse que tinha desistido de seguir tentando. O editor pediu para eu ir à redação e disse mais ou menos isso: “Você está indo muito bem. Essas correções são importantes para você crescer do jeito mais rápido. Você vai ser um grande profissional. Eu aposto em você”.

Veio sangue nos olhos. Comecei então nas editorias. Passei por Esportes, Cotidiano, Cidades, Política, Geral. Tudo, passei por tudo. Um ano depois eu já tinha bastante segurança no que fazia. Angelo não estava mais no jornal. Voltara para sua cidade natal, Maringá (onde até hoje mantém o blog que leva seu nome e é um sucesso de décadas).

Para não parecer um menino de pouca idade, o que me faria perder credibilidade, eu me vestia como um senhor. Desde adolescente tenho 1,90m de altura. Odiava as espinhas porque elas entregavam a adolescência. Passei no vestibular de Direito na Fadu (hoje Unipar) e meus amigos rasparam meu cabelo. Que tristeza. Ia de boné às entrevistas.

Aliás, uma delas foi com o Celso Zolin, hoje um grande amigo. Ele trabalhava como diretor da Rádio Inconfidência, na época uma empresa do grupo Ceranto, e, por hobby, presidia o Tigrão da Baixada, time de futebol que deu muitas alegrias à cidade. Generoso, Celso amainou meu constrangimento na hora da entrevista. Eu não sabia nada de esporte. No final, rendeu um bom material. Conto isso para dizer que também fui acometido de sorte no início da carreira.

Eu estava muito feliz no Ilustrado. Estava aprendendo muito. Tinha como colega de redação o Italo Fabio Casciola. Pessoa incrível. Passávamos um bom tempo. Como colunista que escrevia sobre tudo, inclusive celebridades, Italo recebia artistas e leitores mais graduados em sua casa. Eu tinha a honra de estar entre os convidados. Italo sempre foi (e sempre será) uma referência. Eu saboreio cada linha que ele escreve, com seu estilo próprio e marcante.

E o ‘Barba’?

Escrevi, escrevi, e agora quero falar do grande mestre. Eu não teria feito carreira no Ilustrado e no jornalismo se não fosse esse homem que eu nunca vi sem barba. Um jovem senhor com fama de bravo. Quem? Ilídio Coelho Sobrinho, o próprio. Ele me proporcionou grandes vitórias. Acreditou em mim, deu oportunidade para que eu me tornasse repórter e me levou ao cargo mais alto da empresa, o de editor-chefe.

Pelo menos duas vezes por semana eu ia com o Ilídio para os municípios da região, em busca de matérias. Numa manhã de setembro (assim mesmo, como na música), Ilídio disse que faria mudanças no jornal, contrataria mais gente e promoveria uma dança de cadeiras. “Você tá pensando em me demitir?”, perguntei. “Não, você vai ser o editor-chefe”, respondeu.

Confesso que jamais isso tinha passado pela minha cabeça. A verdade é que o Ilídio já estava me preparando há muito tempo para essa missão. Eu era o repórter que representava a empresa em compromissos jornalísticos em Curitiba e Brasília. Ia de avião. Borrava de medo, mas ia. Ilídio viaja muito. Na volta, me trazia como presente uma sacola enorme com jornais de todo o Brasil.

Eu avançava a madrugada lendo tudo. Até hoje sinto o cheiro da tinta dos jornais. Meus dedos ficavam impregnados de tinta escura. Sujeira? Capaz. Aquilo era ouro pra mim. EU mergulhava na diagramação dos jornais. Assimilava estilos, comparava reportagens. Naquela época ainda não tínhamos internet.

Claro que não aceitei ser editor logo de primeira. Eu realmente não acreditava que estava pronto. O Ilídio tinha certeza. Meu salário foi lá no alto. De verdade, no primeiro mês, não sabia o que fazer com “tudo aquilo”. Mas eu sempre joguei em família. E ela, sem dúvida alguma, faz parte das minhas conquistas.

Eu usava de 30% a 40% das receitas para pagar contas, comprar roupas, estudar, enfim, e o restante eu guardava, incentivado pela minha mãe, que é boa nos números. Aliás, é a pessoa que mais me incentivou e acreditou em mim lá no início, quando eu decidi sair do sítio para me aventurar na “cidade grande”.

Editor-chefe

Minhas conversas com o Ilídio sobre assumir ou não o comando da redação sempre aconteciam nas pequenas viagens de carro. Depois de um mês, aceitei o desafio, mas impus algumas condições. Queria escalar um time de peso, para fazer um jornalismo diferente, mais vivo, dinâmico, igual aquele que via nos exemplares que o próprio Ilídio me trazia.

Os jornais de Umuarama eram muito engessados. Parte considerável do conteúdo vinha de assessorias de imprensa. Eu queria mais. Queria dar furos, queria fazer história. Queria fazer um jornal que o leitor realmente tivesse interesse em ‘degustar’ página por página. Tive o aval do patrão, um visionário, diga-se de passagem.

Usávamos máquinas de datilografia. Escrevíamos nas laudas e mandávamos para o digitador. Acabei com isso. Cada repórter passou a ter o seu próprio computador. O processo ficou mais ágil.

A diagramação também era artesanal, em “pest up”. Informatizamos tudo. Eu distribuía pautas, acompanhava a produção dos jornalistas, revisava os textos, adaptava os tamanhos e também escrevia matérias. Nunca abri mão de ir para a rua. É lá que a roda gira.

Umuarama tinha à época dois jornais diários. A disputa entre ambos era acirrada. O concorrente saiu na frente na impressão em cores. Mas nós tínhamos a vantagem do conteúdo de primeira, feito por uma equipe jovem, que transpirava comunicação.

Transformação

Eis que surge uma pessoa decisiva para a grande transformação do Ilustrado, o Diógenes Marodin Ferreira. Como eu brigava com esse gaúcho. Tínhamos visões diferentes de mundo, mas no mais importante nós dois convergíamos. Na dobradinha com o Diógenes (eu na redação, ele na transformação tecnológica), o Ilustrado cresceu exponencialmente.

O Ilídio sempre teve tino para criar lideranças e sempre dominou o negócio jornal. O principal motivo é porque ele também é jornalista. Hoje sou empresário, tenho uma agência de publicidade prestes a completar 25 anos, e um portal de notícias online, que em breve fará 8 anos. Esse lado empreendedor também peguei do Ilídio. Ele mesmo diz que sou “cria” dele. É verdade.

Ao Umuarama Ilustrado, minha eterna gratidão. Foi aí que a minha história começou a ser escrita. O Ilustrado faz parte do que conquistei de melhor e do que sou. Obrigado ao Ilídio, obrigado a toda a equipe que, por pouco mais de nove anos, esteve comigo nessa universidade diária de conhecimento. Com amor no coração, obrigado!