O dia seguinte

Eliseu Auth

Por mais que se queira, a gente não consegue se desligar da tragédia que se abateu sobre grande parte do Rio Grande do Sul. Tudo está sendo muito forte, dolorido e trágico. Aqui tem sentido a redundância. Os fatos e suas conseqüências fizeram metástase e atingem a todos. Mesmo os que não estavam lá. O imponderável se abateu sobre todos e é preciso lidar com ele. Nossos antepassados sempre disseram que a dor ensina a gemer, mas a dor do sul vai custar para ir embora. De toda sorte, ela está entre nós e vamos ter que conviver com ela. A nós cabe dar forma e vida ao dia seguinte à tragédia. A depender dele, vamos sentir mais ou menos a dor que sentimos.

A história ensina e se repete. Nos doces anos da “Bèlle Époque” que antecedeu a primeira guerra mundial, o iluminismo suscitou nas pessoas a utopia do homem absolutamente feliz neste mundo. De fato, a humanidade vivia em relativa paz e supunha que a ciência havia dado ao homem o domínio do universo. Como anota Hélio Tornaghi, a felicidade perfeita e verdadeira que não é deste mundo. A ilusão durou pouco. Veio a primeira guerra na Europa civilizada e depois a segunda guerra que botou a civilização contra a crueldade do nazismo. Depois da guerra, no dia seguinte ao sofrimento da luta contra o extremismo nazista, as nações se deram conta que era preciso cuidar melhor da convivência humana. E, ainda em 1945, resolveram criar a ONU como fórum de controle e equilíbrio entre povos e nações.

Aqui estamos nós em frente às enchentes do Rio Grande. Tragédia repetida que castiga com dor, aflição e mortes os sofridos irmãozinhos do sul. Mas, os efeitos da catástrofe ambiental também se abatem sobre todos nós. Estamos no dia seguinte que nos adverte e pede mais respeito na preservação do estoque ecológico que ainda temos. Rios, florestas, nascentes, ar, clima e atmosfera são entidades sagradas para a nossa sobrevivência. O que vamos viver à frente, só Deus sabe. Nós precisamos saber que a ação humana pode e deve cuidar melhor do planeta que nos abriga. Agora, socorrer as vítimas das enchentes, ouvir os ambientalistas e segui-los é tarefa para o dia seguinte.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).