O cúmulo da hipocrisia

Eliseu Auth

É hipócrita quem diz ou prega uma coisa e faz outra. Tem tantos por aí que dá medo. Na semana passada repercuti a hipocrisia dos ricos “sheiks” e “príncipes do petróleo” da Arábia Saudita que usam a religião para manter submisso o povo que dominam com mãos de ferro. Tenham a religião que quiserem, mas é hipócrita a forma como tratam as mulheres e o autoritarismo com que governam. Julgam-se donos do país, não dão satisfação de nada e ninguém pode discordar de seus métodos. Pousam como fervorosos homens de fé, tementes a Alá, mas não admitem qualquer contestação. Pois é. Um jornalista de lá, correspondente de um jornal americano, cultor da mesma religião, mas crítico e dissidente, desapareceu dentro da Embaixada saudita em Istambul, capital da Turquia. Lá o correspondente do Washington Post tinha ido regularizar documentos e sumiu. Simplesmente sumiu.

Veio mais uma hipocrisia. O presidente americano Donald Trump quis aparecer para o mundo como defensor das liberdades que nunca foi e não é. Prometeu medidas duras contra o regime saudita que é aliado e parceiro comercial dos Estados Unidos. Veio a drástica reação dos “sheiks” e “príncipes” que não admitiriam qualquer retaliação. Explicaram que o jornalista dissidente poderia ter morrido num interrogatório. Trump deve ter refletido que a Arábia Saudita é sua aliada no bombardeio contra Síria e começou a admitir a fatalidade. Se foi assim, onde está o corpo? O governo da Turquia também entrou em campo, afinal foi no seu território que tudo aconteceu. Foi à embaixada e não esclareceu coisa alguma. E ficou a impressão de um “faz de conta” porque tudo vai ficando por isso mesmo.

Respeitar a religião do outro é preceito universal e dever de todos. Kant, grande filósofo alemão chamaria isso de imperativo categórico. Onde está o corpo do jornalista que sumiu? Deixar as coisas como estão e passar ao largo é um perigo para a humanidade. Esse tipo de coisa reflete perversidade que a civilização não pode admitir. Se reconheceram que mataram o dissidente, confessaram o despotismo. O que assistimos é o cúmulo da hipocrisia.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).