LUTO COMPLICADO
Na última semana o secretário Estadual de Saúde, Beto Preto, alertou para a necessidade de políticas públicas visando acolher as pessoas enlutadas da pandemia. A citação está ligada aos altos números de mortes da covid-19, mas principalmente ao processo doloroso e deslegitimado do luto, que vem sendo impresso pelo coronavírus.
Muito mais que números, pessoas que estão morrendo de forma violenta com a pandemia do coronavírus, deixam a dor para quem fica. “Não tivemos autorização para fazer um velório, do jeito que vi o corpo dele, dentro do saco saindo do hospital, assim ele foi enterrado. Chegou no cemitério foi levado para o sepultamento e enterrou, não teve nada. Agora, desde que o Warritom morreu, estou trabalhando manhã, tarde e noite”, disse a viúva, Gisele Cristina Costa Teixeira Gabriel
Com a voz embargada ao lembrar do esposo, Warritom André Gabriel, 32 anos, que faleceu por covid-19 no dia 14 de junho, Gisele contou à reportagem do jornal Umuarama Ilustrado como sua vida foi transformada. “Temos uma filha de seis anos, quase não a vejo, pois trabalho o dia todo e a noite também. Está bem puxado, antes ele fazia compras e eu ficava no administrativo. Estou aprendendo a viver outra vez e preferi trabalhar. Não é fácil, pois o local de trabalho era onde ele ficava também. É bem complicado, mas tenho que continuar e ser forte por nossa filha”, disse.
Em relação a filha, Gisele disse que ela não pergunta muito o que aconteceu, mas comenta que o pai é uma estrelinha e mora com Jesus. “Ela fica para baixo e fala que não quer me perder, pois não quer ter duas estrelas no céu, [O papai já foi e não quero mais]. Tento me manter mais forte possível. E é assim que estou levando, vamos ver até quando”, desabafou Gisele.
Warritom André Gabriel era uma pessoa querida na Capital da Amizade e mesmo não tendo velório, amigos e familiares realizaram um cortejo em sua memória do parque de exposição até o cemitério de Umuarama.
A história de Gisele se replica em milhares de brasileiros e centenas de umuaramenses que tiveram pessoas levadas pela covid-19. Conforme a psicóloga clínica Dielli Caroline Capelli, o luto deslegitimado da pandemia vem gerando um impacto na sociedade. “Para as famílias que estão perdendo pessoas e não números, o luto na pandemia é um processo doloroso, pois muitos não conseguiram se despedir. O ritual do luto fica modificado, não tem velório, caixões estão lacrados. Além disso, a pessoa não pode acompanhar o parente no processo do internamento. Não estão conseguindo se despedir das pessoas amadas. Isso gera o ‘luto complicado’ ou ‘luto de difícil elaboração’”, explicou.
Nesse processo de luto da pandemia, as pessoas que ficam estão vivenciando uma dor e um sofrimento mais intenso e prolongado, o que dificulta a retomada da vida, alertou a Dielli. “A normalização da morte, após o impacto do começo da pandemia, também pode gerar uma revolta nos que estão enterrando seus familiares. Como os meus estão morrendo e outros estão festando, aglomerando? Isso promove um impacto grande para quem está em sofrimento”, ressaltou.
Com apenas 23 anos, Diego Pelissari Palhares faleceu de covid-19 no dia 4 de maio. Uma das vítimas mais jovens da doença na região de Umuarama, também é muito mais que um número. Sua namorada, Bruna Stefany Ferreira da Silva, conta que o rapaz era uma pessoa de luz e sua presença sempre fazia a diferença. “Principalmente em nossas vidas”, lembrou a entrevistada.
Os jovens se conheceram ainda criança e tinham uma caminhada religiosa desde cedo, situação que vem amparando Bruna e familiares de Diego. “Esse contato próximo com Deus vem ajudando, por mais que doa, se a gente não ficar bem o Diego não descansa em paz. Eu tento viver um dia de cada vez, procurando a melhor forma de continuar caminhando, por mais que a saudade seja imensa. Parece que é mentira, mas acredito que ele está num lugar bom. Deus dá o conforto e isso é muito nítido para gente, desde a morte de Diego”, explicou.
Mesmo com a fé, a jovem ressaltou que a dor da saudade é intensa e parece que nunca vai passar. “Pensamos que ele está em um lugar melhor e que ele queria que ficássemos bem. Desta forma vamos trabalhando com o choro e o sentimento”, finalizou.
Dentro dos estudos da sociedade e da psicologia, uma forma de amenizar a situação do luto complicado seria resgatar, de alguma forma, a ritualização da morte e sensibilização para essa morte, alertou a psicóloga Dielli. “Proporcionar meios para as famílias se despedirem. Criar rituais ou memoriais com os rostos dessas pessoas que foram embora. Transformar a perda, que hoje se transformou em número, em nomes e em homenagens. Uma forma de lembrança para quem ficou poder se expressar e ser reconhecido na dor dela”, noticiou .
Além dos memoriais, é importante levar ajuda profissional para quem vem sofrendo com a dor da morte. “A rede de apoio psicológico contribui para ajudar. Existem serviços gratuítos de universidades e da rede pública, como também, não pode esquecer os profissionais de saúde, que também vão precisar desse apoio”, orientou Dielli Caroline Capelli.