Dr. Eliseu Auth

18/01/2022

Morre Thiago de Mello, poeta da liberdade

18/01/2022 15H09

Jornal Ilustrado - Morre Thiago de Mello, poeta da liberdade

Eliseu Auth

Quem viveu nos anos de chumbo da ditadura militar de 1964, aprendeu a gostar de Thiago de Mello. Viveu vida longa, mas nos deixou na semana que passou. Tive, no meu tempo de universidade e nas lutas estudantis, a honra de sonhar com ele um mundo quase utópico de respeito à liberdade e à dignidade do ser humano. Não era o que nos rodeava naquele tempo de opressão e de supressão de tudo quanto sonhávamos. Em nome de uma bobagem sustentada no “medo do comunismo” que ninguém queria, a ditadura se arvorou em senhora da vida e da morte.

Foi nesse tempo e nesse contexto sem liberdade e sem respeito ao ser humano que viveu Thiago de Mello, um poeta que plantou sonhos de liberdade. Era a antítese da truculência e do arbítrio que imperavam nas hostes do poder. Como disse, vivi esse tempo e degustei as idéias de Thiago. Entre uma aula e outra, o movimento estudantil promovia comícios relâmpago nos corredores da Universidade. Num fim de semana desses, o meu Diretório Acadêmico “Jakson de Figueiredo” promoveu a maior passeata de protestos contra ditaduras, fossem da vertente que fossem. Nela desfilaram bandeiras, cartazes, gritos de liberdade e carroças com vítimas da guerra do Vietnam.

Volto com Thiago de Mello. Em resposta ao Ato Instucional nº l da ditadura militar que legitimou o estado de sítio e a cassação de opositores, Thiago escreveu “Os estatutos do homem”, batizado como “Ato Institucional Permanente”. Foi uma rosa ofertada à fúria desvairada da opressão. Vale a pena lembrar algumas idéias desse documento que guardo em páginas amareladas pelo tempo, mas que continua atual:

“(…) Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no outro homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu. O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.” (…) Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo. (…) e a sua morada será o coração do homem.”

Pasmem! A ditadura perseguiu Thiago de Mello, poeta da liberdade.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).