Eliseu Auth
Não somos exceção. Manipulações religiosas foram práticas comuns desde os primórdios da história. A invocação de um deus terrível e vingador fez parte de práticas comuns a algozes e déspotas no poder. Quem se debruça sobre as penas aplicadas aos infratores se impressiona com o uso da vingança divina em sociedades primitivas. Nele, o princípio da repressão é a satisfação da divindade, inclusive com o sacrifício da vida do infrator e o uso de todo o tipo de crueldade. Déspotas no poder foram pródigos em manipulações religiosas com deuses sádicos para se perpetuarem no poder. Invadiram todos os campos da vida, inclusive o Direito. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, o direito penal religioso, por delegação divina, aplicava penas cruéis, desumanas e degradantes para purificar a alma do criminoso.
Se hoje convivemos com o disseminado uso do nome de Deus para todo tipo de exploração, causam espécie as regras que essa gente impõe para legislar sobre a eternidade. Quem são esses arautos que se dizem donos de verdades eternas e porteiros do céu, se entre céus e a terra existe o infinito?
Isso me veio à mente quando a seleção foi jogar na Arábia dos autoritários “scheiks” do petróleo. Eles que não entregam o poder e impõe a religião de Estado poderiam ser chamados ao exercício da tolerância. Só que os augures da CBF aconselharam os jogadores nacionais a se absterem de comemorações religiosas. Coisas como ajoelhar, apontar os céus ou fazer o sinal da cruz. Isso seria desrespeito à religião muçulmana. Não há sentido nisso. Credos precisam tolerar-se e conviver em harmonia com o Ser superior que pode ser Alá, Javeh, Ierrochua, Tupã ou Deus, somente. Na fé que aprendi de berço, Deus é um ser perfeito, criador do céu e da terra, com todas as qualidades em grau máximo e origem do bem. É onipotente, bom, justo. Se creio em vida eterna e Deus é justo e bom, devo fazer o bem e respeitar o semelhante, inclusive quem não acredita. Certamente não Lhe agradam regras que homens fazem para lotear os céus e ganhar dinheiro em cima da boa fé de quem aliciam. São manipulações religiosas.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).
