03/02/2019
Montaigne leciona que é comum para a maioria das pessoas sentir certa inadequação física em relação não somente à sua aparência, mas também em relação aos seus membros e ao funcionamento de suas partes. Uns se consideram baixos demais, outros altos demais. Uns se consideram magros, outros gordos demais. Outros, ainda, se consideram desajeitados. Em muitas situações, afirma o filósofo, nos sentimos envergonhados e não raramente passamos até a desdenhar partes que são nossas por natureza. Por que, se pergunta ele, que as pessoas se sentem constrangidas em falar abertamente sobre seus corpos e por que o corpo é considerado assunto não adequado para conversas sérias e decentes? Qual é o motivo desta vergonha? Por que tantos complexos e bloqueios na área sexual e corporal? Não seria melhor, se perguntou ele, se nós nos aceitássemos fisicamente como somos?
O fato é que não aceitamos aquilo que somos. Sofremos calados por isso. Todavia, não é aceitável que pessoas do nosso convívio (amigos, familiares ou profissionais da saúde), nos humilhem porque nosso corpo não se enquadra no modelo de corpo “perfeito”.
A gordofobia é a aversão ou o medo de pessoas gordas (preconceito). A pessoa gorda é cobrada a todo momento para ser magra, ter o peso “ideal”. A gordofobia é causadora de diversos transtornos, principalmente os alimentares, tais como, a compulsão alimentar, a bulimia, a anorexia, ou mesmo a recém conhecida vigorexia, que consiste na obsessão pelo padrão da vida fitness. Por si só a pessoa nessa condição física carrega consigo o trauma de ser gorda. O preconceito e a discriminação agravam essa situação.
A gordofobia médica é mais grave ainda. No centro dos debates está o diagnóstico negligente do médico, tendo em vista, tratar-se, o paciente, de pessoa gorda. Um corpo magro não é necessariamente mais saudável do que um corpo gordo. Logo, quando uma pessoa gorda adoece, pode ser que essa doença não tenha nada a ver com o peso. No entanto, existem médicos que atribuem todo e qualquer tipo de problema de saúde ao sobrepeso.
Peço licença para citar depoimentos de algumas pacientes que sofreram a ofensa moral no atendimento médico (extraídos do post da influencer Flávia Duarte): “Há um tempo atrás fui ao médico com amidalite (tenho amidalite crônica desde criança). O médico nem me olhou e foi dizendo que eu precisava emagrecer pra parar de ter problema de saúde. Eu quase sem voz, com febre de 40º, tentando explicar que era uma inflamação de garganta e ele mantendo o discurso. Sai de lá e quase desmaiei na porta do Posto de Saúde por causa da febre e me levaram para dentro de novo…”.
Em outro relato de ofensa moral, a amiga gorda estava na mesa de parto, no momento mais feliz de sua vida e ouviu um médico comentando pro outro: “tem anestesia pra rinoceronte? Ouvi muito riso…”.
“Sou gorda desde criança. Aos 10 anos, um médico me disse que eu não casaria por causa disso. Perto dos 21 anos, uma endocrinologista me avisou que eu morreria em decorrência do meu peso. Saí chorando…”.
Inegável que o sobrepeso acarreta sérios problemas de saúde. Todavia, a questão esbarra nas inadequações éticas e, consequentemente, nas implicações jurídicas (dano moral). Por isso, é valioso raciocinar sobre nossos costumes, ideias e pensamentos, só assim, nos tornamos mais capazes ao discernimento e mais sábios em nossas atitudes.
Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
Advogado no Paraná
Professor do Curso de Direito da UNIPAR