Helton K. Lustoza

Helton Kramer Lustoza

Felicidade na modernidade

29/06/2020 18H02

Jornal Ilustrado - Felicidade na modernidade

Se digitarmos no google a palavra felicidade aparecerá “…um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude são transformados em emoções ou sentimentos que vão desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo” (wikipedia). Não precisamos pesquisar muito para perceber que as pessoas buscam incessantemente alcançar a felicidade, colocando isso como uma meta existencial. Estão em alta as vendas de livros e programas de coaching que prometem trazer receitas milagrosas com tal temática, mas, a realidade, nos demonstra que, ao contrário do que se busca, temos cada vez mais presenciando a sociedade vivendo um surto de depressão e ansiedade.

A definição de felicidade não é algo recente, já na antiguidade, Aristóteles dizia que a felicidade estava associada a um certo conjunto de virtudes, e não escrava da mera realização de desejo instantâneo, como é comum pensar atualmente.

O que se coloca em evidência é a análise dos tempos em que estamos vivendo e a necessidade das pessoas em obter uma sensação de felicidade. Falo daquela necessidade em “postar”, “compartilhar” e “curtir” fotos/stories ao invés de aproveitarem os momentos prazerosos em que estejam experimentando. Isso nos leva a indagar se as relações humanas não estariam comprometidas na modernidade.

Um crítico da modernidade, o sociólogo Zygmunt Bauman, falecido em 2017, consagrou-se principalmente com o conceito de liquidez e o diagnóstico do individualismo. Segundo Bauman, nos tempos atuais, as relações entre os indivíduos nas sociedades tendem a ser menos duradouras. O autor utiliza o conceito “relações líquidas” para demonstrar que a modernidade se tornou cada vem mais ágil e consumista, o que provocou uma verdadeira revolução não somente nas relações humanas, mas também na ciência, na educação, na saúde, dentre outras áreas. Ao invés de amizades, os relacionamentos estão baseados em “conexões”, pois o que se passa a desejar a partir de então é algo que possa ser acumulado em maior número, mas com superficialidade suficiente para se deletar a qualquer momento.

É nesse sentido que a modernidade líquida descrita por Bauman demonstra a falsa felicidade através de “conexões” com um número grande de seguidores, mais como um viés de ostentação do que relacionamento pessoal.

Não há nenhum mal em usufruir o dinheiro que honestamente é obtido através do trabalho, seja ele qual for. O problema seria a “coisificação” do ser humano, tornando-o apenas o que ele consome, e não mais o que ele é. E muitas vezes, tornando-o o que ele parece ser, através da imagem construída pelas redes sociais, criando uma competição fictícia entre os indivíduos.

Para alcançar a felicidade não precisamos negar a tecnologia ou se desfazer de todos os bens materiais. Não é isso que irá solucionar o problema! Um primeiro passo está na reflexão em que consiste nossa felicidade atual, quais os verdadeiros valores que defendemos como corretos para nossa família, grupo social, empresa, etc.

As promessas falaciosas de felicidade não conseguem demonstrar o óbvio: em busca de felicidade os sujeitos estão cada vez mais ansiosos, tristes e sobrecarregados. A necessidade humana é de readequar suas prioridades e utilizar a tecnologia como um meio – não uma condição – para alcançar a felicidade. Um lado positivo desta quarentena seria a possibilidade de passar mais tempo perto da família, o que poderá promover uma reflexão sobre a importância das relações sociais. A aproximação, antes impossível, atualmente forçada pelo trabalho home-office poderá mostrar a diferença na presença física na educação dos filhos, na proteção dos pais, no contato diário com os vizinhos, etc.

A resposta pode estar nas origens, onde a filosofia grega nos passa a lição de que a felicidade está no exercício de prática de ações virtuosas. Encontramos em Aristóteles, na sua obra Ética e Nicômaco, dizendo que a virtude está sempre no meio-termo, na medida de que tanto o excesso quanto a falta têm impactos negativos: “por ‘meio termo em relação a nós’ quero dizer aquilo que não é nem demasiado, nem muito pouco, e isto não é o único e o mesmo para todos” (Aristóteles, 2003. p. 47).

Talvez a definição de felicidade poderia ser compreendida na atualidade como um comportamento do ser humano em ser ponderado, utilizando-se de sua liberdade para valorização das relações pessoais e profissionais, sendo tolerante, generoso e equilibrado.

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com