Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
Fiódor Mikhailovtch Dostoiéviski (1821-1881), foi um escritor, filósofo, engenheiro e jornalista do império Russo. Ao contrário de outros grandes escritores russos da época, seus pais não eram abastados financeiramente: seu pai era médico militar e sua mãe dona de casa. É considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história, bem como um dos maiores “psicólogos” que já existiram (investigador da psique). É dele a frase: “A mentira é o único privilégio do homem sobre todos os outros animais”.
No livro “os Irmãos Karamázov”, Dostoiéviski retrata a vida de uma família completamente fraturada, composta pelo pai Fiódor P. Karamázov, e três filhos havidos em dois casamentos, sendo eles: Aliocha, Dimitri e Ivan. Um quarto filho, Smerdiakov, foi fruto de um violento estupro executado por Fiódor em uma mulher com problemas mentais. Fiódor levava uma vida obscura. Não possuia nenhuma qualidade redentora. Um homem egocêntrico, corrupto, cínico, imoral e que tinha uma enorme devoção pelo cumprimento de seus desejos bestiais. Tratou suas duas mulheres com o máximo desrespeito. Não tinha respeito por si mesmo. É considerado um palhaço, um bufão vulgar. Suas preocupações gerais estavam em ganhar dinheiro e seduzir mulheres jovens. Aliocha Karamázov foi um monge que viveu boa parte de sua vida no monastério, uma figura de suma bondade. Ivan Karamázov, inteligente e profundo, era um filósofo. Ateu, parecia ter dentro de si um conflito permanente entre liberdade e autoridade. Dimitri karamázov, era um jovem ardente, conquistador de mulheres, um jogador e caçador de emoções. Era incapaz de se controlar, tinha grande dignidade pessoal e era cheio de justificativas. Ele e o pai sempre andaram às turras pelo fato do pai ter se apossado de parte de sua herança (morte da mãe), e, por teimar em não o restituir. Essa animosidade é agravada quando ambos se enamoram da mesma mulher – Grushenka, de fama e caráter contestável. Smerdiakov, o filho bastardo, foi gerado no erro, na quebra de leis e de regras, no álcool e no abuso, motivo que o levou a cometer o parricídio (morte do pai pelo filho). No entanto, a ideia de matar o próprio pai foi concebida, intelectualmente, por Ivan. Nossa! Quanta realidade existe nessa história do século XIX com o mundo atual!
Infelizmente, a sociedade mundial, há muito tempo está desorientada, perplexa, desenganada, cética, à deriva, mas orgulhosa, radiante por caminhar para trás, num galope desumanizado. Essas duas primeiras décadas do século XXI nos mostra uma verdade avassaladora, é claro, com exceções, qual seja, um ser humano piorado, degradado, sem lealdades fixas, que idolatra o que menos tem de humano em seu íntimo, capaz de achar que tudo é negociável – até mesmo o intangível. Ensina Rojas que animalizar o homem em nome de tal liberdade é um dos maiores enganos que este pode sofrer, porque assim se favorece um tipo de conduta que escandaliza e funciona como uma amostra da evolução da sociedade. Ainda, diz Rojas, precisamente, o homem é livre porque não é um animal, por que pode se afastar de seus instintos mais primários e se elevar, aspirando a não ficar determinado por sua natureza.
A liberdade, bem mais precioso do homem, serve para aspirar o melhor, para apontar em direção do bem, para buscar o que há de grande, nobre e belo na vida humana. Para Rojas, ser homem é amar a verdade e a liberdade. Diz, ele, hoje, muita gente não se interessa pela verdade, já que cada um fabrica sua própria, subjetiva, particular, torcida de acordo com suas preferências, escolhendo o que gosta e rejeitando o que não lhe apetece. Uma “verdade de encomenda”, sem implicar compromissos existenciais. Oras, se não existe interesse pela verdade, a liberdade perderá peso e, no máximo, servirá para um movimento solto, não sendo muito importante seu conteúdo. Entretanto, o conteúdo da liberdade justifica uma vida, retrata uma trajetória, deixa a descoberto o que temos dentro de nós, as pretensões fundamentais e os argumentos. Na sociedade atual dois casos podem ser retratados para mostrar que muitos homens não sabem para onde vão, estão perdidos, quais sejam: nos jovens, a droga; nos adultos, as rupturas conjugais. A fragilidade de muitos homens do século XXI é notória. Cada um de nós é capaz do melhor e do pior. Por conseguinte, aspirar à verdade é ir em direção ao melhor de nós mesmos e do que nos rodeia. Acorda, não se permita ser dominado pela mentira.
No mundo criado por Dostoiévski em “Os Irmãos Karamázov”, a Rússia e o mundo aparecem como se fossem o reino dos Karamázov. A noção da complexidade e da desorganização das relações talvez nunca tenha ficado tão clara como no romance. Ninguém é confiável. A maldade pode explodir a qualquer momento. Todos dizem meias verdades por meio de mentiras. Os atos de uns são conduzidos pelos pensamentos de outros. A espiritualidade cristã é invocada a cada momento, mas sucumbe às necessidades tirânicas de felicidade terrestre, à sensualidade e ao álcool.
Hoje, a democracia é a única verdade referencial. Todavia, o preconceito, a parcialidade na forma de dar a notícia, os vieses, os ódios entre as pessoas que integram os diferentes partidos políticos, os grupos de poder que desprezam e ignoram quem não pensa como eles, tornou-se o obstáculo para a verdade. Que tipo de sociedade humana estamos construindo?
Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
Advogado no Paraná – Palestrante
Professor do Curso de Direito da UNIPAR