Eliseu Auth
Emenda boa era a que mamãe fazia na roupa que a gente rasgava na roça. Quem veio do mato sabe dos remendos que tampavam os rasgos. A vida dura fazia recuperar calças e camisas rasgadas. As cores dos retalhos podiam não combinar, porque os remendos eram feitos com os retalhos que tinha. A precisão mandava às favas qualquer boniteza ou preocupação estética. O inso que meu Aurélio esqueceu de registrar como mato que a gente carpia nunca riu da gente. Nem o milho, a mandioca, o feijão e a soja que a gente plantava e colhia, faziam troça das roupas feias e remendadas. Aquilo era emenda boa.
O ilustrado leitor do “Umuarama Ilustrado” já ouviu que “A emenda ficou pior que o soneto”. Soneto é uma poesia de 14 versos, disposta em dois quartetos seguidos de dois tercetos. Na cabe emenda que vai desfigurá-lo. Vou às “Emendas parlamentares”, dinheiro público que deputados e senadores tomam, à mão grande, do orçamento da União. Pegam esse dinheiro como se fossem donos e o destinam à base eleitoral, onde vão garantir votos e re-eleição. Já na origem, é uma trapaça ilegal. Congresso faz lei e não lhe cabe tomar para si o dinheiro do orçamento que é para as políticas públicas. Esta é tarefa do Executivo. (art. 84, “caput” e inciso II da Constituição).
Tem mais! O rapto é grande: mais de cinqüenta bilhões que é 1/4 do orçamento disponível para administrar o país. A traquinagem brada aos céus. Nem o tal “mercado” e nem a imprensa que mama nele, ataca a falcatrua. Só querem cortes no orçamento para classes menos favorecidas, mas defendem desonerações para abastados. Achatar salários, aposentadorias e impedir acesso à educação, saúde e moradia para pobres é a toada. Têm horror à inclusão social, medo que preto seja doutor e que pobre coma carne na mesa do ágape nacional. Segundo Reynaldo Azevedo, querem enforcar o último dos aposentados com as tripas dos trabalhadores. Não deixam taxar grandes fortunas, mas fazem coro à hipocrisia “deus, pátria e família”, lema do extremismo direitista que chama de comunista quem tem o amor ao próximo.
Atentem. A hipocrisia ainda é atrevida. Com ares de retaliação, irrita-se com o Supremo Tribunal Federal, quando este cumpre seu papel de intérprete da Constituição, exigindo transparência na destinação das emendas que são dinheiro teu, meu e nosso, mas que querem para si. Leiam a Constituição! O art. 37, entre outras condições, exige transparência na destinação. É esse fim da picada que me incitou botar o título de emenda, soneto e remendo.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado.)