Umuarama

Artigo

Educação inclusiva e os desafios do século XXI

07/05/2023 08H27

Jornal Ilustrado - Educação inclusiva e os desafios do século XXI
Por Laís Bueno Tonin
Coordenadora dos cursos de Marketing e Pedagogia – UniALFA Umuarama e presidente do Conselho Municipal de Educação.

O dia 28 de abril foi escolhido para celebrar o dia da Educação na virada do século, no ano de 2000, no Fórum Mundial de Educação, em Dakar, Senegal, com o objetivo de levar educação para toda criança e jovem até o ano de 2030.

Por isso, este ano de 2023, é um momento propício para nos questionarmos enquanto sociedade, e refletirmos sobre o seguinte ponto: o quanto avançamos nestas últimas décadas para uma educação inclusiva e mais humana?

Atualmente a palavra inclusão está na moda, mas infelizmente tem sido compreendida como um recorte de apoio para crianças e adolescentes que possuem alguma deficiência visível, pois aí sim, é possível ser empático e compreender as dificuldades e desafios de ser diferente.

Já aqueles que possuem deficiências não visíveis, ficam dependentes do que chamamos de “desafios da educação no século XXI”. Esses desafios de ensinar e aprender com deficiências, com transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação que são discutidos, possuem amparo de inclusão pelas leis, mas na prática encontram um ambiente hostil, e pouco inclusivo.

No Brasil, de acordo com a publicação do IBGE “Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais do Brasil”, de 2019, retrata que 8,4% da população brasileira possui alguma deficiência, em que 67% destes, não tem uma formação educacional adequada, e 1% está no mercado de trabalho, logo, os dados revelam um retrato social que deveria nos levar a pensar: que educação inclusiva é essa?

A Educação que inclui é proposta pelas Leis 9.394 de dezembro de 1996, que discorre sobre o “Direito à Educação e do Dever de Educar”, ou da Lei 12.796 de 2013, que assegura ao atendimento especializado nas escolas, dentre muitas outras, que são resultados da luta constante pelo direito de ser e aprender.

Portanto, é necessário refletir se estamos seguindo um caminho adequado para uma educação que se diz inclusiva, pois, só o fato de receber o aluno em sala de aula não significa inclusão, pois nenhum ser humano fica bem onde se sente excluído, incompreendido, não aprende e é rejeitado.

Inclusão é se sentir feliz, é poder participar da vida, é conviver, conversar, interagir e brincar com seus pares, é também aprender com o meio e com os demais, mas para isso, é imprescindível compreender que o desafio real implica em mudanças pedagógicas que na maioria das vezes estão cristalizadas nas práticas docentes e na gestão escolar.

Além disso, a capacitação, a pesquisa científica, e o aprimoramento constante, devem ser os critérios mínimos para quem quer construir um ambiente inclusivo, para que atenda de forma planejada e adaptada às necessidades específicas de cada criança e adolescente.

O Centro de Controle e Prevenção e Doenças (CDC) dos EUA, estima que a cada 36 crianças de 8 anos, 01 (uma) é autista, o que significa 2,8% da população, embora o Brasil ainda não tenha seus dados atualizados, se seguirmos nesta proporção, temos cerca de 6 milhões de autistas em nosso país, que precisam de um acompanhamento escolar especializado para se desenvolverem, naquilo que chamamos de “escola inclusiva”.

Uma educação inclusiva é benéfica para todos os envolvidos, pois todos temos algo para ensinar, fazer, compartilhar e aprender, e a sala de aula deve ser um espaço para aprender a respeitar o limite do outro, as diferenças individuais, e partilhar processos de aprendizagem.

Por isso, aqui utilizo a frase de Rubem Alves para reflexão:

Para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa de esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentaram em nós, e que nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito como são. (…)”. Rubem Alves

Então, é possível compreender que a educação inclusiva deve ir além do cumprir a lei, mas a educação brasileira com suas dificuldades continentais e sociais não tem avançado no cumprimento mínimo da legislação, dessa forma, não é possível garantir educação de qualidade, muito menos inclusão. 

Enquanto pensamos que a escola do século XXI precisa ter espaço para discutirmos assuntos transversais, colocando em prática a cultura da paz, das ações empáticas, combatendo a violência que se transpõe entre o digital e os espaços físicos escolares, ainda há quem diga: “educação é em casa, conteúdo é na escola”. Que escola é essa, que não compartilha e não colabora com a formação do sujeito?

Nesse sentido, Santos (2003) explica que: Inclusão não é a proposta de um estado ao qual se quer chegar. Também não se resume na simples inserção de pessoas deficientes no mundo do qual têm sido geralmente privados. Inclusão é um processo que reitera princípios democráticos de  participação  social  plena.  Neste sentido a inclusão não se resume a uma ou  algumas áreas da vida humana, como, por exemplo, saúde, lazer ou educação. Ela é uma luta, um movimento  que  tem  por  essência  estar  presente  em todas as áreas da vida humana, inclusive a educacional. Inclusão refere-se, portanto, a todos os esforços no sentido de garantia da participação máxima de qualquer cidadão em qualquer arena da sociedade em que viva, à qual ele tem direito, e sobre a qual ele tem deveres ( SANTOS, 2003, p. 4).

Para concluir, cito José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, que se tornou referência na inclusão que desejamos, com o seu artigo “Ressignificar a Escola”, que diz:

“(…) Para que se concretize a inclusão é indispensável a alteração do modo como muitas escolas estão organizadas. Para que a inclusão passe a ser mais do que um enfeite de teses, será preciso interrogar práticas educativas dominantes e hegemônicas. Será preciso reconfigurar as escolas.

No passado, como nos nossos dias, há escolas cativas de vícios e ancoradas em práticas obsoletas, geradoras de insucesso. Há mais de um século, como hoje, há professores que se interrogam e tentam melhorar as escolas. Mas há, também, “dadores” de aulas que recusam interrogações e que impedem que as escolas melhorem.

Quanto serão postos em prática princípios da escola inclusiva enunciados, há dez anos, na Conferência de Salamanca?

Quando se deixará de centrar o problema no aluno, para centrar numa gestão diversificada do currículo?

Quando cessará a intervenção do especialista, num canto da sala de aula, e se integrará o especialista numa equipe de projeto?

 Quando se concretizará uma efetiva diversificação das aprendizagens, que tenha por referência uma política de direitos humanos, que garanta oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos?

Por muito que isso desespere os adeptos do pensamento único, eu sei que é possível concretizar a utopia de uma escola que dê garantias de acesso e de sucesso a todos (e com excelência acadêmica!) E sei (como outros sabem) que isso é possível… na prática! Sabemos que há muitos professores conscientes da falência do tradicional modelo de organização e que urge reconfigurar as escolas. Quantos professores eu conheço capazes de desconstruir estereótipos e de operar essa reconfiguração!

Perguntar-se-á, então: O que impede que o façam?

Por que não mudam as escolas?”

Portanto, é imprescindível para quem pensa a educação e suas políticas, se colocar no lugar do outro, e parar de enfrentar como problema escolar, aquele que não sabe se defender, é preciso acolher e compreender para ressignificar uma escola inclusiva, com seus desafios do século XXI.

Eu, como mãe de autista, professora, pesquisadora em educação, e atuante nas políticas públicas, desejo um mundo melhor, sob a ótica da educação inclusiva, desejo uma escola que seja iluminada pelo brilho dos inícios, e que entenda que incluir é compreender, respeitar e integrar.  

Referências:

PONTE, Escola da Ponte; Escola Básica da Ponte. Fazer a Ponte – Projecto Educativo.Portugal, 2003.

SANTOS, Mônica Pereira dos. O Papel do ensino superior na proposta de uma educação inclusiva. Revista da Faculdade de Educação da UFF, nº 7, maio 2003