Helton K. Lustoza

Coluna

Dilema dos professores: estamos formando profissionais felizes?

14/11/2020 16H07

COLUNA: DIREITO EM DEBATE

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com

Dias atrás tive a honra de palestrar na Semana da Iniciação Científica para os alunos do curso de Direito da Universidade Paranaense. Apesar de minha linha de formação ser no campo de direito público, optei em falar sobre a “felicidade na modernidade”, tema este que reputo de maior importância no contexto que estamos vivendo.

De tempos em tempos, nós, professores, podemos refletir sobre a metodologia que empregamos em nossas aulas ou até acerca da atualização dos conteúdos que estamos ministrando, enfrentando os desafios das novas realidades acadêmicas. Mas acima destes assuntos, que também são importantes em nosso processo de reciclagem profissional, temos que nos preocupar com outro ponto um pouco esquecido na modernidade: a felicidade dos futuros profissionais. Antes que você imagine que este artigo seja uma reflexão motivacional ou de autoajuda, adianto que se trata de uma reflexão sobre as consequências da modernidade nas relações sociais e acadêmicas.

Tempos atrás, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, divulgaram os números sobre mortes por suicídio, demonstrando que os advogados estão em quarto lugar entre as classes profissionais que mais cometem suicídio no país. As cinco primeiras colocações são ocupadas por dentistas, farmacêuticos, médicos, advogados e engenheiros. De acordo com a Associação Americana de Psicologia, os advogados, bem como juízes e promotores, sofrem de depressão 3,6 vezes mais do que não advogados, sendo que a depressão já foi identificada como a principal acionadora de suicídios (fonte: CONJUR)

Pessoalmente, já perdi dois amigos, por suicídio, que tinham a formação jurídica. Não pretendo neste momento acusar a profissão como a razão ou culpa pelo crescimento de índices de suicídios. Contudo, é necessário identificar se existe um caminho para que os futuros profissionais recebeam uma releitura dos efeitos sociais do exercício da profissão que escolheram e, se os professores podem contribuir nesta missão.

Vivemos em um tempo em que a tecnologia está substituindo momentos de socialização e de convívio prazeroso entre as pessoas. As famílias passam mais tempo olhando para as redes sociais dos celulares do que conversando, onde se nota uma necessidade desenfreada das pessoas em “postar”, “compartilhar” e “curtir” fotos/stories em vez de aproveitarem os momentos prazerosos em que estejam experimentando. Isso nos leva a indagar se as relações humanas não estariam comprometidas na modernidade, sendo que até mesmo o estudo acadêmico é contaminado pelo acesso de informações fast-food, plágios, trabalhos feitos no sistema “copia e cola”, alunos reproduzindo leituras sem reflexão ou raciocínio, todos sendo atropelados por novidades que aparecem a cada minuto.

Um crítico da modernidade, o sociólogo Zygmunt Bauman, falecido em 2017, consagrou-se principalmente com o conceito de liquidez e o diagnóstico do individualismo. Este autor utiliza o conceito “relações líquidas” para demonstrar que a modernidade se tornou cada vem mais ágil e consumista, o que provocou uma verdadeira revolução não somente nas relações humanas, mas também na ciência, na educação, na saúde, dentre outras áreas.

Para isso, compreendo que os professores, como profissionais que tiveram a experiência de conviver numa sociedade sem esta ansiedade compulsiva por informações fast-food, possuem um compromisso muito além da transmissão de conteúdo. Falo da missão de mostrar para os alunos a importância de se manter na profissão a satisfação em se desenvolver dia a dia a sua formação acadêmica, investindo no bem-estar do seu lado profissional e pessoal.

O desafio não é fácil, pois num ambiente profissional cada vez mais concorrido e injusto, em que temos, muitas vezes, que nos submeter a trabalhos penosos, horas de estudos e qualificação, para receber, como contraprestação, algo não condigno com nosso esforço. Mesmo assim, são nossos alunos, futuros profissionais, que terão a função de melhorar o ambiente que está a nossa frente, procurando humanizar as relações sociais, transformar a tecnologia como meio de garantia de qualidade de vida e, acima de tudo, manter-se satisfeito naquilo que escolheu para viver. Afinal de contas, “trabalhamos para viver e não vivemos para trabalhar”.

E o principal, entender que a tecnologia é um meio – não uma condição – para alcançar a felicidade. A resposta pode estar nas origens, onde Aristóteles nos passou a lição de que a felicidade está no exercício de prática de ações virtuosas, que por sua vez, estaria no meio-termo, na medida de que tanto o excesso quanto a falta têm impactos negativo (Aristóteles, 2003. p. 47).

Assim, apesar de aparentar-se óbvio e fácil de ser atingido, o maior desafio que enfrentaremos na atualidade será de encontrarmos um comportamento do ser humano ponderado, utilizando-se de sua liberdade para valorização das relações pessoais e profissionais, sendo tolerante, generoso e equilibrado.