Umuarama

Histórias de vida

Denunciar é o primeiro passo para vencer uma relação abusiva e dar a volta por cima

25/11/2019 11H14

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Diariamente relatamos casos de mulheres que são abusadas psicológica e principalmente fisicamente por seus parceiros e companheiros. Hoje vamos fazer diferente e contar a história de duas jovens mulheres umuaramenses que deixaram de ser vítimas e se tornaram protagonistas.

Elas conseguiram romper o doloroso e vicioso ciclo da relação abusiva, recomeçar e descobrir o que é de verdade a felicidade e que para ter um lar, é preciso amor, respeito e estabilidade emocional.

Com histórias de vida diferentes, em comum a auxiliar de serviços gerais Nilcelene Albertina Silva, 33 anos e a professora Mara*, 27 anos, têm dois fatos: queriam uma família para chamar de sua e ambas conseguiram sair de relacionamentos abusivos e dar a volta por cima.

O COMEÇO

Mara*, professora, hoje com 27 anos, tem um lar para ela e os dois filhos pequenos, de 8 e 3 anos, mas para isso, enfrentou muita coisa. Casou aos 18 anos, com o primeiro namorado, quando engravidou da filha mais velha. “Eu queria o que meus pais tinham, uma família feliz”, contou.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

Ainda no início do casamento percebeu que a relação não era normal. “Qualquer discussão ele quebrava todos os móveis da casa. Isso sempre acontecia quando eu descobria uma mentira. Ele nunca foi estável no emprego, mentia muito para mim e quando eu descobria e perguntava, ele me agredia. Depois pedia perdão e eu aceitava”, explicou. Esse ciclo se estendeu até que após uma agressão física, a irmã mais velha de Mara, Carla*, fez a denúncia.

DENÚNCIA

“Eu fiz a denúncia. Fui até a Delegacia da Mulher e o denunciei. Minha irmã não entendeu e queria que eu retirasse a queixa mas eu não fiz. Disse que ela estava doente, que eu iria ajudar e não desistiria dela. Minha família, nós tínhamos muito medo de que uma hora fosse tarde demais para ela”, relatou Carla ao Ilustrado.

AJUDA PSICOLÓGICA

Mesmo com as pressões do marido, Mara acabou confirmando as agressões na delegacia e foi ali mesmo que recebeu o encaminhamento para atendimento psicológico junto ao Centro de Referência no Atendimento a Mulher (CRAM).

Por quase um mês Mara frequentou as sessões escondida e lá se descobriu como pessoa, como mulher e que o que ela vivia não era saudável nem para ela e nem para os filhos.

“Hoje eu entendo que estava doente. Sentia uma dor tão grande quando imaginava que ele poderia me deixar. Ele me dizia que se me deixasse ninguém iria me querer. Que eu era feia e com dois filhos e eu acreditava. Hoje entendo que o que eu mais queria era ter uma família e para manter essa família eu acreditava que tinha que aceitar toda aquela situação”, explicou Mara.

A VITÓRIA

“Eu me considero uma vitoriosa. A primeira vitória foi quando passei no concurso da Prefeitura. Foi ali que percebi que eu tinha valor. Que passei por mérito meu, mesmo quando meu ex-marido dizia que eu não tinha capacidade e que se passei era por causa dele. Ele dizia que sustentava a casa e por isso não tinha dinheiro para nada. Mas eu sempre trabalhei e mesmo assim faltava tudo. Foi daí que eu propus que iríamos dividir as despesas. Consegui alugar uma casa decente para morarmos, comprei o carro. E quando ele disse que ia embora, eu deixei. Não pedi para ele ficar como fazia antes. Hoje sou feliz, estou reconstruindo a minha vida. Minhas coisas são simples, mas minhas contas estão todas em dia. Posso levar meus filhos para tomar um lanche. Eles vivem em um lar feliz, sem brigas, sem violência. Agora temos um lar. Antes não.”, finalizou.

SEM CULPA

A auxiliar de serviços gerais Nilcelene Albertina Silva, 33 anos, também tem uma história de vitória. Ao contrário de Mara que foi criada em uma família estável, Nilcelene perdeu o pai aos cinco anos e a mãe foi levada pelo câncer quando a menina tinha apenas 10 anos. Foi criada pela madrinha.

Hoje, ela literalmente carrega no corpo a marca da última agressão que sofreu do agora ex-marido, em novembro de 2017. Uma fratura no pé esquerdo que deixou sequelas e entre elas o risco da amputação.

A AGRESSÃO

“Estávamos em uma lanchonete. Tínhamos sim tomado uma cervejinha. Quem não faz isso com o seu marido, né?! Quando estávamos saindo ele implicou com um grupo que estava numa mesa próxima, e começou a me acusar. Eu não entendi. Já no carro ele começou a esmurrar a minha perna e a dizer que eu iria apanhar quando chegasse em casa. Quando chegamos coloquei meu filho para dormir e adormeci na cama com ele. Acordei cerca de 40 minutos depois. Meu marido estava com uma chave de fenda e tinha furado um pufe no nosso quarto, a porta do quarto. Fiquei com medo quando ele conseguiu furar o meu braço com a ferramenta. Só abri a porta da sala e corri. O portão estava cadeado e pulei a grade para fugir. Quando caí meu pé quebrou. Ele não me socorreu. Ao contrário, saiu com uma vassoura e quebrou o cabo em três pedaços me batendo. Eu só protegia o rosto. Fiquei cheia de hematomas. Ele parou quando os vizinhos socorreram e chamaram a polícia”, contou Nicelene.

CRAM

Ela foi socorrida e no hospital foi procurada pelas assistente social e psicóloga do CRAM. “Eu não queria denunciar e nem fazer o acompanhamento. Eu sentia vergonha e muita dor. Mas elas foram conversando comigo e nos dias seguintes, ainda no hospital aceitei a ajuda. Hoje entendo que eu não sou a culpada pelo que aconteceu. Eu acredito que Deus permitiu que acontecesse isso comigo para eu percebesse que precisava mudar”, explicou.

DENÚNCIAS

Ali Nilcelene começou a mudar a sua história. Quando conseguiu voltar para casa, ficou apenas ela e o filho. “Foi muito difícil. Tinha medo de não conseguir dar conta de tudo. Precisei da ajuda das pessoas porque não conseguia trabalhar. O pessoal que trabalhava comigo na época e os meus vizinhos fizeram rifa, me traziam cesta básica, um pagava uma conta de água. E assim foi até eu conseguir voltar a trabalhar. Sou muito grata a todos por isso”, afirmou.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Antes de ter o pé fraturado, Nilcelene já havia denunciado o marido anteriormente, ainda em 2012, por uma agressão. Ele ficou preso, mas saiu sob fiança. Na época, o casal se reconciliou e Nilcelene retirou a denúncia. “Agora essa de 2017 não posso retirar. Não seria justo. Tenho sequelas até hoje. Estou com uma infecção que não cura e corro o risco de perder o meu pé. Foi muito sério”, afirmou.

O ex-marido de Nicelene tem problemas com drogas e com a bebida, segundo ela. “É uma pessoa muito trabalhadora, mas tem esse problema. Enquanto ele não aceitar ajuda, não vai melhorar”, contou.

MEDIDA PROTETIVA

Após a separação, o ex-marido ainda frequentou a casa de Nilcelene por mais de um ano para pegar o filho do casal. Até que em fevereiro de 2019 ele tentou agredir a ex-mulher novamente e a ameaçou de morte.

A Polícia Militar foi acionada e o ex-marido acabou preso. Ficou detido por três meses e hoje Nilcelene tem medida protetiva. “Eu ainda tenho medo, mas não vou mudar da minha casa. Hoje ele não se aproxima. É a minha cunhada ou a minha sogra que vêm buscar o meu filho. Hoje ele tem 8 anos e eu explico que o pai sempre será o pai, mas que nós não podemos mais viver juntos. Que cada um seguindo a sua vida é melhor”.

E o conselho de Nilcelene para quem vive uma situação similar é: denuncie. “Não tenha medo. Denuncie, procure ajuda. Hoje eu conto a minha história, digo que fui vítima de violência doméstica e que isso acabou”, afirmou.

*Nome fictício a pedido a entrevistada.