Helton K. Lustoza

DEMOCRACIA, RESISTA!

08/05/2020 13H08

Jornal Ilustrado - DEMOCRACIA, RESISTA!

Helton Kramer Lustoza

A mídia nacional trouxe a informação de que um grupo armado invadiu o parlamento de Michigan nos Estados Unidos para exigir o fim do confinamento. Os manifestantes invadiram o Poder Legislativo estadual portando armas de grosso calibre para exigir o fim das regras de quarentena adotadas para conter a propagação do novo coronavírus, mesmo após o Tribunal estadual ter decidido que a quarentena não violava os direitos constitucionais dos moradores.

Isso mostra que enfrentamos uma época em que os órgãos estatais estão sendo testados diariamente pela sociedade. Diante de um cenário de incertezas, em que um vírus desconhecido ameaça a vida das pessoas, obrigando-as a ficar confinadas; e paralelamente a isso, uma crise economia mundial sem precedentes, está criando um cenário ideal para prática de medidas extremistas.

A insatisfação pelo regime democrático aumenta na mesma medida em que governantes e agentes públicos se mostram despreparados para responder às necessidades públicas. Se não bastasse a ansiedade social em relação ao confinamento obrigatório e a crise econômica, a população ainda tem que presenciar denúncias e desencontros políticos dos governantes, fulminando a esperança de milhões de brasileiros por uma sociedade melhor.

No lugar de planejamento com metas preestabelecidas, somos surpreendidos pela incerteza em algumas políticas públicas. Que por sua vez, são alvo de decisões judiciais em diversos sentidos, deixando a população na berlinda, sem ter em quem acreditar. Ao lugar de regras concretas e bem delimitadas, presenciamos as “famosas divergências de entendimentos” sem previsão de consolidação.

Este cenário é um prato cheio para gerar ainda mais apatia popular em relação ao sistema democrático contemporâneo. O que se verifica na realidade social é uma verdadeira repulsa popular pelas entidades públicas, o que acaba, segundo análise de Zygmunt Bauman, por gerar sentimentos como incertezas e inseguranças nos cidadãos em relação a problemas com o Estado e a perseguição de um interesse social.

Apesar de diversas decisões judiciais e discursos de juristas renomados deixarem evidente que o país se encontra numa onda de constitucionalismo democrático e, que isso representa uma das maiores conquistas da humanidade (o que não discordo), mesmo assim é possível notar uma ausência de sentimento constitucional-democrático em grande parte da população brasileira. Isso acontece em razão das falhas do Poder Público em atender as reais necessidades da população, descumprindo com as velhas promessas constitucionais de uma sociedade justa e solidária.

É natural pessoas pensarem diferente, discordarem sobre as políticas públicas, discutirem as regras de isolamento, pois como advertiu o cientista político americano Robert Dahl: “o que você especificamente deseja provavelmente difere do que outra pessoa quer. […] A democracia protege essa liberdade e essa oportunidade melhor que qualquer sistema político alternativo que já tenha sido criado”.

Estamos presenciando uma fase atípica na história mundial, o que podem ter certeza, o mundo não será o mesmo após a COVID19. Mas fica um alerta: não podemos permitir que esta época de incertezas e descontentamentos com as instituições públicas levem à população a desacreditar no Estado Democrático de Direito. Não podemos permitir que condutas irregulares dos governantes e atitudes equivocadas ou até omissas de autoridades se sobreponham à grandeza de nossa democracia.

É preciso brigarmos contra a corrupção, criminalidade, improbidade, mas também é necessário utilizarmos nossas forças para defendermos o fortalecimento do Regime Democrático e do Estado de Direito. Automaticamente, estaremos realizando a defesa da liberdade dos indivíduos em lutar, criticar, discordar e retirar do cenário público, agentes públicos que estejam contaminando o interesse da nação.

É importante compreender que ao momento em que desprestigiarmos o regime democrático, estaríamos, automaticamente, autorizando que grupos oportunistas ofereçam soluções milagrosas com a utilização da tirania e restrição dos direitos individuais. É nesse sentido que o sociólogo francês Alain Touraine compreende a existência de três dimensões da democracia: 1) respeito pelos direitos fundamentais; 2) cidadania e; 3) representatividade dos dirigentes. É exatamente neste ponto, onde se detecta as falhas na representatividade das instituições públicas, que devemos fazer valer nosso direito/dever de cidadania, ao utilizar os canais democráticos para buscar a sociedade que desejamos. Em outras palavras, é a partir da defesa da efetiva igualdade política e valores constitucionais que se encontra a verdadeira concepção constitucional de democracia.

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com