AULA MAGNA
A UniAlfa Faculdade de Umuarama sediou na última quinta-feira (14) uma aula magna voltada para os estudantes de Direito e demais interessados no tema. O evento, realizado no Auditório Prof. Luiz Carlos Rodrigues, nas dependências da instituição, contou com a participação de alunos, professores, advogados e autoridades locais, além de receber como convidado especial o Defensor Público-Geral do Paraná, André Ribeiro Giamberardino.
O defensor brindou a plateia com uma palestra instigante, abordando o tema “Primeiras lições sobre o sistema de justiça criminal brasileiro”. Sua expertise e visão crítica proporcionaram aos presentes uma reflexão profunda sobre os desafios e intricadas questões do sistema judicial brasileiro, com um enfoque especial no sistema carcerário do país.
A palestra foi seguida pelo lançamento do livro “Direitos das minorias”, uma obra de grande relevância, cujos autores são o Defensor Público do Estado do Paraná (DPE-PR) Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro, também professor da faculdade, e a Assessoria Jurídica da DPE-PR, Rafaela Martins. O livro versa sobre temas cruciais da contemporaneidade, como a situação da população de rua, os direitos LGBTQIAP+, mulheres vítimas de violência e questões relacionadas ao racismo.
A organização do evento ficou a cargo da coordenadora do curso de Direito, Rosane Meyer, que contou com o apoio de professores e da direção da instituição para que tudo transcorresse com sucesso.
Durante aproximadamente uma hora, Giamberardino compartilhou seu conhecimento e experiência, destacando as falhas do sistema carcerário brasileiro e a forma inadequada como as instituições públicas têm lidado com as questões relacionadas à justiça criminal. Sua análise incisiva proporcionou uma visão mais ampla e crítica aos presentes, evidenciando a necessidade urgente de reformas e aprimoramentos nesse campo.
ENTREVISTA
No dia seguinte à palestra, Giamberardino concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal Umuarama Ilustrado e ao portal Obemdito, onde discorreu sobre diversos aspectos do sistema judicial e suas experiências à frente da Defensoria Pública do Paraná.
Em uma das questões abordadas, o Dr. Giamberardino contextualizou sua presença na região, destacando a ampliação da presença da defensoria em diversos municípios do estado, o que inclui inaugurações de novos postos de trabalho e a consolidação de uma estrutura adequada de atendimento.
Durante a entrevista, também foram discutidos os desafios enfrentados pela Defensoria Pública durante os dois mandatos do Dr. Giamberardino. Ele ressaltou a necessidade de romper com paradigmas obsoletos e implementar uma visão mais progressista e alinhada com os princípios constitucionais, buscando sempre a garantia dos direitos fundamentais da população.
“Historicamente, o Paraná foi um dos últimos estados a regulamentar sua Defensoria Pública, com a lei sendo aprovada apenas em 2011. Apesar disso, o processo de consolidação enfrentou resistências, refletidas, por exemplo, na evolução do número de defensores. Em 2013, quando se iniciou efetivamente o processo, tínhamos apenas 97 defensores. Ao assumir a liderança da Defensoria em 2021, após 10 anos da lei e três concursos realizados, o número ainda era modesto, totalizando 104 defensores.
Além disso, outro desafio foi o crescimento limitado do orçamento ao longo desses anos. Com um aumento de apenas cerca de 50% em uma década, tornou-se evidente a insuficiência para atender às demandas crescentes. Esse cenário foi agravado pela alta taxa de evasão de profissionais, motivada por diferenças remuneratórias em relação a outras defensorias e carreiras.
Internamente, também enfrentamos uma cultura de acomodação em relação a modelos de atendimento jurídico já estabelecidos, como o modelo judiciário tradicional, que muitas vezes era preferido em detrimento da expansão e fortalecimento da Defensoria Pública.
Ao confrontar esses desafios, articulamos propostas junto ao governo para demonstrar a inconstitucionalidade e a inadequação desse cenário”, pontuou.
Uma das preocupações centrais do Dr. Giamberardino é a questão da população carcerária, que ele descreve como um problema complexo e sem solução aparente. Ele enfatizou a importância de políticas de reabilitação social e alternativas ao encarceramento em massa, destacando a necessidade de investimentos em projetos que visem à inclusão e ressocialização dos detentos.
“Com cerca de 900 mil pessoas encarceradas nacionalmente, e mais de 30 mil no Paraná, o contexto é tenso, com a prisão muitas vezes sendo a única resposta do Estado à criminalidade e ao crime organizado, visto quase como uma guerra. No entanto, a maioria desses detentos não está ligada a facções criminosas, e o braço armado do Estado muitas vezes atinge comunidades e redes familiares de forma indiscriminada.
Exemplificando com o crime de furto, que é uma das principais razões de encarceramento no Brasil, vemos como a legislação e as práticas judiciais muitas vezes são desproporcionais. Mesmo para delitos como o furto, que não envolvem violência, a reincidência é comum e as penas podem se acumular em décadas de prisão. Isso reflete uma abordagem punitiva que não considera alternativas mais eficazes.
Além disso, o tratamento dado ao tráfico de drogas, com foco nas camadas mais vulneráveis da sociedade, não aborda as raízes do problema. Enquanto o tráfico internacional de grandes proporções escapa em grande parte das operações policiais, os pequenos traficantes, muitas vezes jovens em situação precária, são os mais afetados.
Diante desse quadro sombrio, é necessário repensar o sistema penitenciário e adotar políticas de inclusão e reabilitação social. A prisão, por si só, não pode ser vista como solução para a criminalidade. É preciso investir em projetos sociais e políticas baseadas em evidências, abandonando abordagens improvisadas e focando em planejamento de médio e longo prazo.
Uma mudança de paradigma é essencial, visualizando a questão carcerária não apenas como um problema de segurança pública, mas como uma questão de política pública que exige diagnóstico, metas claras e avaliação constante. Caso contrário, continuaremos presos a um ciclo de violência e violação de direitos que beneficia apenas uma parcela da população”, salientou.
Durante a entrevista, Giamberardino anunciou sua intenção de deixar o cargo de Defensor Público-Geral em maio, para ocupar uma função no staff do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin. Ele considerou o convite uma oportunidade única de contribuir para o fortalecimento dos direitos fundamentais e do acesso público à justiça.
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