Eliseu Auth
Nasci em março, honrado pela companhia de famosos como Van Gogh, Einstein, Airton Sena e outros. Coincidência, mas lembranças fortes que a memória armazenou. Semana passada, a imprensa lembrou o dia 15 de março de 1985, entrevistando José Sarney que assumiu a presidência na redemocratização após o golpe militar de 31 de março de 1964.
Encontrei a razão das lembranças: a ditadura que perseguiu, barbarizou e torturou quem discordasse da sua truculência. Foi nesse tempo que estudei na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em Santo Ângelo – RS. Lá, sorte ou azar, meus colegas me honraram com a presidência do Diretório Acadêmico “Jackson de Figueiredo”. Na agenda estavam as lutas estudantis por liberdade e contra a ditadura. Criamos o jornal “O Coruja”, fizemos comícios-relâmpago fora e dentro da Universidade, encontros e debates que culminaram com a primeira e grande passeata pela cidade. Ali denunciamos o imperialismo russo na invasão da Tchecoslováquia e o norte-americano que fazia a guerra do Vietnam e nos impunha o acordo “Mec-Usaid”. Queríamos a lei como único império aceitável porque só ela garante a liberdade. O Dops compareceu e tentou impedir as bandeiras dos opressores na passeata, o que foi contornado com o capitão Krebs que, diga-se, foi elegante ao aceitar nossos argumentos.
Sim. Foi um tempo difícil e de sofrimento que desaguou em prisões e torturas sem razão de ser. No 2º BCCL, quartel do exército, entre agressões físicas e morais, nos acusavam de comunistas que nunca fomos e queriam saber nossas ligações com Dom Aloísio Lorscheider, Helder Câmara, Evaristo Arns e Frei Matias e outros líderes católicos que eram críticos da ditadura militar com a truculência na supressão das liberdades e dos direitos humanos.
Sem medo de ser piegas, digo o que vivi nesse tempo difícil e sou grato a pessoas como Arizoli, Lani e Iara Maria Chaves que repartiam comigo uma marmita que matava a fome como única refeição do dia. Também sou grato a Alcindo Dill Pires que me arrumou um cubículo para morar. Aos meus filhos e alunos contei essa história para servir de estímulo às suas lutas existenciais.
Volto ao ainda lúcido Sarney que merece nossa gratidão. É dele, de Ulisses Guimarães e do Congresso de l988, o mérito da Constituição cidadã que temos. Não há melhor no mundo porque tem cláusulas pétreas, antídoto a qualquer tentativa de golpe contra direitos humanos, democracia e liberdade.
Por fás ou por nefas e vaidade nenhuma, são as lembranças de Março.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).