Dr. Eliseu Auth

Eliseu Auth

A sexta-feira santa da infância

01/04/2024 17H37

Jornal Ilustrado - A sexta-feira santa da infância

Eliseu Auth

Lembro. Levantei cedo e, antes de mais nada, fui ao altarzinho do meu apartamento. Ele é muito simples. Tem um crucifixo bento pelo Padre Dantas, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e a foto dos meus filhos. Me dei conta que era sexta-feira santa e o pensamento me levou para a infância. Lá, onde recebi as primeiras lições da fé que guardo e que me guia.

Acho que minha história é como a do ilustrado leitor. Vamos lá. Papai e mamãe ensinavam que a sexta-feira santa era um dia sagrado. Jesus, que morreu por nós na cruz, descansava no sepulcro. Nada de cantarolar, bater prego, gritar ou falar alto. Nem encangar boi podia. Muito menos ficar correndo atrás de bola ou fazer algazarra, fosse na diversão que fosse. Era dia de refletir e respeitar. Exagero? Talvez. Mas, nunca entendi assim. O que vi e vejo é a fé raiz e profunda de quem entendia e tinha gratidão pelo gesto de Deus que se fez homem e morreu na cruz para nos salvar. Era exemplo de fé.

A passagem do Cristo por este mundo deveria ser melhor entendida. Se Ele pregou a paz, aqui vivemos num mundo de guerras. Se alguém discorda, é inimigo. Chutamos vacinas e esparramamos armas e ódio. Sim, o Cristo dos Evangelhos andou longe do poder e da riqueza. Não os demonizou, mas viveu entre humildes. Ali multiplicou pães e peixes que partilhou entre todos os que tinham fome. Fez coxo andar, cegos enxergar e curou leprosos. Acolheu a mulher adúltera que os fariseus queriam apedrejar e ensinou o perdão quando mandou jogar a primeira pedra quem não tivesse pecado. Ninguém jogou porque todos deviam. Aí só exortou que não tornasse a pecar. No único momento de furor e raiva, expulsou os vendilhões do Templo, exortando que é casa de oração e eles estavam fazendo dele um antro de ladrões (Mt. 21,13). A lição é que fé não é e nem deve ser objeto de comércio como acontece por aí.

O legado da peregrinação do doce Nazareno por esta terra tem visão social e manda amar o próximo como a si mesmo e a Deus, origem de todo o bem, acima de tudo. Não só acima de todos como alguns querem. Pessoas, governos e nações serão melhores quando compreenderem e viverem essas lições que me vieram à mente ao reviver a sexta feira santa da infância.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).