Dr. Eliseu Auth

Eliseu Auth

A serpente do Éden e o negacionismo

02/06/2025 18H35

Jornal Ilustrado - A serpente do Éden e o negacionismo

Era pequeno, piá, como se diz lá na Linha Salto, onde nasci e me criei, e o professor Nicolau Meinerz avisou que todos os alunos seriam vacinados. Nem lembro que tipo de vacina era, mas me deu um pavor medonho. Confesso meu horror à picada da agulha que me acompanha até hoje.

Graças a Deus, à ciência e ao bom senso, o Brasil se tornou referência mundial na vacinação de seus filhos. Pequenos, tomamos a tríplice que estimula o sistema imunológico das crianças e produz anticorpos contra os vírus de sarampo, varíola e rubéola. Quem não tem uma marca no braço, em virtude da vacinas que protegem, inclusive contra meningite e tuberculose?

Não precisa ser médico para saber que vacinas previnem, desde pequeno. Comove ver alguém em cadeira de rodas por poliomielite que pode ser evitada, tal como aconteceu com o grande presidente Franklin Roosevelt que governou os Estados Unidos. Não é nem mérito, mas obrigação de uma Nação que se preza, cuidar dos seus filhos e disponibilizar vacinas à mão cheia, tal como se faz nas Unidades Básicas de Saúde do SUS que é uma bênção.

Tratei de uma das premissas maiores da civilização e do bom senso. Não tem espaço para duvidar disso, sob pena de se equiparar ao horror e à loucura de um fanático como Jim Jones que induziu 914 fiéis da sua seita ao suicídio lá na Guiana. Seguir um líder que demoniza vacinas é loucura parecida.

Vi o que nunca tinha visto: uma deputada do PL apresentou dois projetos de lei para desobrigar vacinas para crianças. Quer que só podem ser aplicadas com “consentimento expresso, livre e esclarecido” dos pais ou responsáveis. Ainda pretende inscrever no Código Penal o tipo coação vacinal, para quem restrinja direitos com base na exigência da vacina. Isso, em nome da liberdade. Ora, quem não se vacina, expõe os outros às conseqüências. Só para ilustrar, é recente a notícia de que, em Porto Alegre, todos os óbitos por covid-19 e gripe Influenza não tinham sido vacinados. Dá para entender.

Vim da roça e conheço a lida do campo. Lá, é obrigatória a vacina para o gado, prevenindo contra aftosa, brucelose e outras doenças. Se nossos animais devem ser vacinados por lei, como não proteger nossas crianças e nossos semelhantes? Mal comparando, essa tal “liberdade sem limites” que a extrema direita propala, lembra a serpente do Éden bíblico. Disse ela a Adão e Eva: comam do fruto proibido, sintam-se livres e serão iguais a Deus. Como vêem, há um paralelo entre a serpente e o negacionismo.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).