Dr. Eliseu Auth

26/10/2021

A revolta das vacinas

25/10/2021 20H14

Jornal Ilustrado - A revolta das vacinas

Eliseu Auth

Quando pequeno, tinha dois medos. O primeiro era de injeção e o segundo, confessar. Uma vizinha querida e brincalhona de nome Leocádia Schuster, filha do meu padrinho, cuidava de mamãe acamada porque ganhara nenê. Entre uma tarefa e outra, eu a perturbava e ela me botava mais medos. Atochava que eu tinha que ser vacinado contra a marotagem e que, ao confessar, o padre me cortaria um pedaço da língua como penitência. A essa altura, ainda não tinha confessado e nem feito a primeira comunhão. A vizinha exagerou na dose e aqueles medos me acompanharam até a primeira comunhão e martelavam sobre minha cabeça como a espada de Dâmocles. As vacinas vão fazer bem, dizia. E a penitência também.

Nos entreveros da pandemia as vacinas voltaram à discussão. Não pelo medo da furada no braço, mas pelos efeitos que seriam danosos, segundo o Presidente Bolsonaro. Tanta insanidade, nem o moleque traquinas tinha. E Muito menos a vizinha que me fez cair no conto do vigário.

Também a população do Rio de Janeiro, um dia, caiu num conto de vigário e fez a revolta da vacina. No início do período republicano, sem a melhor informação, as pessoas andavam assustadas com as epidemias da febre amarela, peste bubônica e da varíola. Foi quando Oswaldo Cruz, um sanitarista visionário, em 31.10.1904, convenceu o Congresso a aprovar a Lei da vacina obrigatória. Aí, políticos e jornais de oposição, irresponsavelmente e em meio à insegurança e confusão generalizada, passaram a difundir teorias de conspiração, tipo “fake news” da extrema direita. Diziam que vacinas faziam parte de um plano macabro para eliminar os mais pobres e favorecer as camadas abastadas. Foi um horror que explodiu na revolta da vacina. Houve barricadas, depredação de lojas, prédios públicos, postes de iluminação, pauladas e pedradas contra agentes de Cruz e suas equipes que pretendiam vacinar as pessoas. Consta que houve trinta mortos e centenas de feridos.

Hoje choramos a morte de mais de seiscentos mil brasileiros por covid e nos perguntamos: Quantos deles teriam sido salvos, caso tivéssemos vacinado bem antes? Não aprendemos as lições da história com a revolta da vacina.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).