Helton K. Lustoza

Helton Kramer Lustoza

A eleição acabou! E agora?

10/11/2022 17H36

Jornal Ilustrado - <em><strong>A eleição acabou! E agora?</strong></em>

Embora, no Brasil, tenha se encerrado o pleito eleitoral mais acirrado de todos os tempos, sem qualquer fraude comprovada, temos presenciado uma série de manifestações de insurgentes ao processo eleitoral e ao candidato eleito. A internet, por seu turno, transformou-se em uma gigantesca praça pública em que todos falam o que bem desejam e o que acreditam. O discurso do ódio se tornou mais visível nas redes sociais, criando uma violência simbólica em relação a grupos ou segmentos da sociedade, classificados entre “NÓS” e “ELES”.

O problema do excesso de polarização somada a democratização dos meios de comunicação, resultou na formação de uma espécie de bolhas, através das quais, cada indivíduo acaba tendo contato apenas com opiniões e notícias que reforçam suas ideais. O resultado deste processo será de que cada pessoa apenas acredita nas informações que venham do seu grupo e passa a ter ainda mais certeza de que está certa em seus julgamentos. E as visões e opiniões contrárias se tornam cada vez mais estranhas, absurdas e inaceitáveis.

Com base nisso, parte da sociedade insiste em não aceitar o resultado de um procedimento que foi preestabelecido e seguiu as regras do jogo, conforme amplamente reconhecido pelas instituições públicas e privadas. Ainda que o resultado não agrade boa parte da sociedade, pelas regras democráticas, deve ser aceito. Talvez não nos identificamos com o novo governante, não seria aquele ideal para o exercício nobre da gestão da coisa pública, mas acima disso, pelas regras do jogo democrático, foi escolhido pela maioria. A tolerância e a obediência as regras são indispensáveis para sustentar um regime democrático, bem como preservar a ordem constitucional.

O que quero dizer com isso? Acredita-se que ao momento em que não aceito o resultado da eleição e simplesmente quero impor meu desejo a outra decisão, seja ela qual for, a Constituição Federal perde validade e retorna-se ao regime de guerra de todos contra todos, como descrevia Thomas Hobbes, sendo que cada um seguirá suas próprias regras.

Não desejo elogiar ou criticar os personagens, apenas quero chamar a atenção do leitor para o fato de que a defesa de teses “conspiratórias” do sistema eleitoral está atrapalhando o amadurecimento democrático do povo brasileiro. É neste cenário que as crenças populares se tornam instáveis e voláteis, de modo que as pessoas ficam oscilando para aquilo que acreditam e defendem.

E o pior de tudo isso é que a discussão do “Direito” se transformou em questão de opinião, com um grau elevado de “emotivação” de argumentos não racionais. Não se critica o aspecto da democratização das discussões jurídicas, mas sim a inversão dos valores conquistados pelo país. Tudo isso, pode ser resultado da fraqueza institucional aliada à nossa memória fraca sobre a história do Brasil.

E somos bombardeados com tantos fatos desse gênero nos noticiários do dia a dia, que me sinto na responsabilidade de reafirmar o óbvio. Parece loucura, mas é preciso defender a legitimidade das instituições democráticas, de modo que tenham força para sair desta crise constitucional. Não existe outra forma legítima de vencer um contexto tão adverso se não pelas vias democráticas escolhidas previamente pela Carta Constitucional. Pois como defendeu John Locke: “onde termina o Direito, inicia a tirania”. Em palavras mais específicas, a legitimidade das soluções deverão estar subordinadas ao Direito, e é o Direito que corrige os problemas sociais, e não o contrário.

A solução não é inalcançável, só não devemos esperar um salvador da pátria, nem idolatrar um determinado personagem que aparecer com discursos milagrosos. Não devemos esperar que alguém em específico salvará o país, mas a saída legítima para crise constitucional está no respeito de todos à Constituição Federal.

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com