A cidade de Pedro

Eliseu Auth

Bons governantes governam para as próximas gerações. Olham à frente e fazem o que tem que ser feito, ainda que suas obras fiquem escondidas. Não lhes importa que fiquem invisíveis aos olhos dos imediatistas. Olham à frente, prevêem desastres ambientais, epidemias e tragédias e se adiantam a elas. Não serão surpreendidos porque se prepararam para enfrentá-las. São desapegados e não governam para agradar. A reeleição é só um detalhe e não um fim. Têm olhos no passado e no presente, mas é o futuro que miram.

Governantes assim deveria ser o normal. Essas reflexões me ocorrem a cada tragédia como a de Petrópolis, cidade que homenageia D. Pedro II. Consta que o imperador já reclamava das enchentes e mandava plantar árvores para detê-las. Talvez devesse ter sido mais rígido, proibindo desde lá, qualquer tipo de construção em morros e suas encostas. Assim protegeria a vegetação que impede os deslizamentos. Certamente nosso imaginário não estaria cantarolando “Barracão de zinco”, de Luiz Antônio e Oldemar Teixeira, nas lindas vozes de Beth Carvalho, Elizeth Cardoso e Nelson Gonçalves.

O mau costume de construir casas e barracos nas encostas dos morros e em lugares proibidos por técnicos e ambientalistas se fez normal. As vítimas do desatino são os pobres cidadãos que não tem onde morar. Por falta de programas de moradia popular, a vida os obrigou a pendurar barracões de zinco e moradias precárias nos morros que vão desmoronar e soterrar. A culpa não é só do céu e do morro. Nem do cidadão em estado de necessidade por não ter onde morar. Ela também é de um desleixo histórico. As mudanças climáticas que despejam águas em volumes nunca vistos também têm culpa nisso. O tabuleiro dos problemas está à frente. Não basta sobrevoar a tragédia, dar entrevistas e pousar de bonzinho. É preciso refazer o mal feito e fazer o bem feito. Ter um projeto nacional com programas e orçamento, em vez de botar o escasso dinheiro público em emendas para eleições e reeleições dos que estão no poder. Há um Brasil à espera disso. Não só a cidade de Pedro.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).