Dr. Eliseu Auth

16/02/2021

Quando o legal não é moral

16/02/2021 06H45

Eliseu Auth

A nossa Constituição pode ser detalhista, mas é republicana e democrática. Vou ao artigo 37, onde ela diz os princípios que os atos administrativos, em qualquer órgão público, devem ter, pena de não serem válidos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Vou me ater ao mais abrangente: a moralidade. Nela estão o bom senso, os bons costumes, a lógica, o razoável e o justo. Pronto.

Lembro de um caso em que um juiz da lava-jato do Rio de Janeiro e sua mulher recebiam auxílio-moradia. Consta que ambos recebiam. A questão foi resolvida depois, mas se o auxílio era para terem moradia, não seria moral ambos receberem a benevolência tornada legal pelo Conselho Nacional de Justiça. Se era legal, seria moral? Interpreto que não. Taí um exemplo.

No dia 12.02.2021, na seção A10 do jornal O Estado de São Paulo, li que o “PSB vai à PGR por gasto militar com picanha e cerveja”. Segundo os deputados, as Forças Armadas teriam licitado em 2020, a compra de 700 toneladas de picanha (a R$ 84,14 o quilo) e 80 mil cervejas (a R$ 9,80 cada). Tem lei que autoriza a compra de alimentos para a caserna. Agora, olhando o fato sob o ângulo da natureza dos produtos e da moralidade, é que são elas. Isso me lembra os gastos com cartões corporativos da Presidência, no ano de 2020 quando o “carrinho de compras” custou nada menos que 1,8 bilhão, segundo noticiado. O valor seria 20% maior que em 2019. Há lei que pode gastar, mas há itens como vinho, goma de mascar, pizza, uvas-passa e refrigerantes que podem demandar uma análise sob o prisma da moralidade.

De casa, aprendi a ser econômico e viver com pouco. Não quero ser piegas e nem pousar de exemplo. Intransigente, talvez tenha exagerado. Não ligava o ar condicionado do gabinete. E justificava não querer conforto às custas do erário e da gente humilde que batia marreta ao sol do meio dia. Afinal, somos todos iguais, E na Democracia os poderes se fiscalizam no sistema de freios e contra pesos. Há instituições para isso. Precisa que funcionem. São elas que devem agir quando o legal não é moral.

(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).