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12/04/2022

Sobre depressão: O que não está escrito nos livros

11/04/2022 17H00

Jornal Ilustrado - Sobre depressão: O que não está escrito nos livros


Há inúmeras publicações sobre o que vem a ser depressão e acerca de todos os seus sintomas, sinais e tratamentos. No entanto, gostaria de abordá-la sob uma perspectiva diferente, mais alinhada com as vivências de quem já sofreu ou já acompanhou o sofrimento causado por esta doença, vivências estas que nem sempre estão descritas em páginas de artigos científicos, livros e experimentos. Muitos dos fragmentos de relatos que irei citar aqui foram pautados em atendimentos psicoterapêuticos. A depressão consiste em uma das doenças mais difíceis de serem tratadas, pois quase sempre, o paciente não entende a gravidade do quadro, acreditando que não precisa de ajuda e/ou minimizando os sintomas e efeitos sobre sua vida. Muitas vezes, nem mesmo sente ânimo para começar o processo psiquiátrico e psicoterapêutico (isto é, se há condições socioeconômicas para tal, e quando não, a observância deste aspecto é decisiva para o tratamento). No auge de 25, 30, 40, 50 anos para muitos e muitas, a depressão chega como um atestado de fracasso, a troca das carreiras, vivências familiares, sociais e bons momentos por gotinhas de inibidores seletivos de receptação de serotonina. A perda de interesse em atividades e o prazer são perturbadores, sentimentos de inutilidade e autoaversão, pois afinal de contas, vive-se numa cultura “no limits” extremamente tóxica. A performidade do sucesso, de formas de vida profundamente ofensivas para os cuidados de si sem ao menos nos perguntarmos o porquê. Como atesta Christian Dunker, psicanalista e estudioso da depressão, tudo isso apresenta uma idealização do que esperar da vida que, não realizadas as expectativas, questiona-se o que há de errado com o sujeito. Por que o que há de errado com o sujeito? Segundo ele, a narrativa da depressão contemporânea assume covardemente (grifo meu), a responsabilização e individualização do sofrimento: àquele que fracassa sozinho, que fica à margem, que não performa o suficiente. Alguém que se recusa a sair da cama, que perdeu a vontade e o desejo por viver tem outra forma de funcionamento. Não fazem frente à lógica do produzir e ofendem o sistema. Numa cultura onde o desejo do sucesso é livre e farto e que mostra que qualquer conflito que você tiver, é seu. Onde o conflito só existe para quem não sabe gerenciar as coisas. O sofrimento também. O objetivo é simples, como você não consegue realizar? E ao não entregar resultados, percebemos um traço extremamente marcante em pessoas sofrendo com a depressão: autoregras e autoavaliações. Quase sempre uma contabilidade exaustiva sobre quem se é, e nunca há de fato uma satisfação. E por falar em satisfação, pessoas que sofrem com a depressão cruzam certa linha que divide quem eram antes e quem são depois. Tomam o mesmo vinho, dançam com a mesma pessoa, vão aos mesmos jogos, mas não têm a mesma satisfação que já tiveram um dia. Você pode encontrá-las sorrindo por aí ou trancadas em seus mundos, quartos e banheiros, tentando esconder do mundo suas crises tão profundas. Tudo se torna tão difícil. Escovar os dentes, manter os limites de velocidade, falar, pensar, dormir, comer, existir. Não há duas pessoas afetadas da mesma forma pela depressão. Há pessoas. Há sofrimentos. Há melhoras. Há recaídas. Há necessidade de cuidados. E há vidas na depressão.