Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
COLUNA: DIREITO EM DEBATE
Eduardo Juan Couture Etcheverry (1904-1956), advogado, escritor e professor universitário, foi um consagrado jurista uruguaio, mundialmente reconhecido, autor da teoria sobre o direito de ação, tema do Direito Processual Civil. Foi autor do projeto de lei que criou o Código de Processo Civil do Uruguai, Lei nº 10.418/43. Recebeu inúmeros prêmios por suas obras e ensinamentos. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Uruguai. Escreveu os dez mandamentos do Advogado. Por ocasião de sua morte, era Reitor da Faculdade de Direito em Montevidéu. É dele a frase: “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.”
Não é de hoje que assistimos na vida real algumas pessoas se “apoderarem” de privilégios que acreditam fazer parte do seu direito subjetivo. Mero engano. Tais atos não passam de “pura malandragem” e desrespeito ao Direito alheio. Quem já presenciou pessoas furando fila em bancos ou qualquer outra instituição pública ou privada? Estacionar o carro em vaga de deficiente ou idoso? No transporte coletivo, sentar em poltrona reservada para idoso, gestante ou deficiente? Rodar com o carro pelo acostamento enquanto o trânsito está parado na rodovia? Dar carteirada diante de uma situação limite, ou seja, “o senhor sabe com quem está falando?”.
Mais grave e revoltante é o privilégio outorgado por lei a quem deve zelar pela igualdade. Nestes casos, a lei defere privilégios a certa categoria profissional. Porque alguns profissionais recebem auxilio moradia, mesmo tendo moradia própria? Auxílio paletó, mesmo recebendo o salário para comprar sua própria roupa? Auxílio creche ou educação, mesmo quando os filhos já não utilizam mais a creche ou a escola? Uso indeterminado de transporte aéreo da FAB, para fins particulares, quando há ponte aérea com avião de carreira cobrindo o mesmo trecho? Férias de sessenta dias por ano? Aposentadorias perpétuas que passam de pai para filhos solteiros? Motorista e segurança particular, mesmo quando o beneficiário está preso? É justo os ex-Presidentes, mesmo os impichados, e os ex-Governadores terem o privilégio de aposentadoria, sem cumprir o tempo exigido por lei à maioria dos brasileiros, ter ao seu dispor motoristas, seguranças, carros de uso particular, assessor de imprensa, direito a passagens aéreas, inclusive para assessores, diárias de viagens, pagos pelo erário público?
Certamente, não podemos generalizar, porém, recentemente (frise-se, este não é o único caso), causou perplexidade a todo cidadão que assistiu ao vídeo, o fato protagonizado pelo Desembargador de Justiça do Estado de São Paulo ao desrespeitar o decreto municipal da cidade de Santos, que determinava o uso de máscara de proteção para circular na rua. Quis o Desembargador frente ao Guarda Municipal justificar o injustificável. Como não conseguiu, resolveu mostrar “poder” e ligou para o Secretário de Segurança Pública para que este intimidasse o Guarda Municipal. Infrutífera, também, esta manobra, passou a intimidar e agredir verbalmente o Guarda Municipal que sem se exaltar, emitiu a multa e entregou ao infrator que, mais uma vez, em ato reprovável pela posição que ocupa, rasgou a multa e jogou no chão. Após os fatos, veio a público a ficha corrida do Desembargador. É contumaz em infringir a lei. Felizmente, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça avocou a apuração dos fatos e, cedo ou tarde, sairá o veredicto. Vamos cobrar Justiça!
No caso do fura filas, quando isso acontece, todos nós ficamos revoltados. Porém, ficar revoltado e não fazer nada provoca a perpetuação da injustiça. Por conseguinte, o “privilegiado”, se acha sim com mais direitos do que os demais. É preciso dar um basta nessa “malandragem” que tomou conta do país e, no calor dos fatos, colocar o “malandro” no seu lugar. É nosso dever ressaltar que a consciência popular está mudando, e, muitos já estão agindo.
Os privilégios legais são mais difíceis de combater, pois para erradicá-los é necessário alterar a legislação vigente no país. Como a maioria dos beneficiários são aqueles quem elaboram as leis, a única saída justa é eliminar, através do voto, em tempo de eleição, esses políticos que não concordam em combater os privilégios do cargo. Frise-se, que muitos políticos e ocupantes de cargos públicos, já abriram mão dos privilégios legais, considerando-os imorais. Não se acomode. Vamos cobrar dos políticos que elegemos o combate aos privilégios com o dinheiro público. Afinal, quem paga essa conta imoral somos nós, os contribuintes.
Eduardo Couture nos ensina que vale a pena lutar pela liberdade e pela justiça. Diz ele: “Tem fé no direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substituto da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.”
Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior
Advogado no Paraná – Palestrante
Professor do Curso de Direito da UNIPAR