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Por (a esperançosa) Ângela Russi

Dias melhores

17/11/2022 09H41

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Contam, que numa noite entre as noites, uma mulher caminhava com uma mala em direção a uma pequena cidade. Dentro dela carregava pertences pessoais.

Quando chegou, encontrou uma casa e ali fez morada. Todos os dias fabricava instrumentos musicais que lhe davam o sustento.

Aos fins de tarde ia à praça com seus instrumentos. Tocava e contava histórias de reinos mágicos, maravilhosos reis, príncipes, princesas, heróis e heroínas. Todos ficavam encantados. Paravam para ouvi-la. Tinham vontade de contar histórias também.

O tempo passou (ele sempre passa) e a contadora de histórias foi ganhando cabelos brancos. Continuava todas as tardes exercendo seu grande amor: contar histórias.

Até que um dia um homem ergueu a voz, gritando bem alto: “ISSO É BESTEIRA, HISTÓRIAS NÃO SERVEM PARA NADA, FICAR OUVINDO MEIA DÚZIA DE PALAVRAS BONITAS É PERDA DE TEMPO.TEMPO É DINHEIRO. PALAVRAS NÃO ENCHEM BARRIGA. PELAS NOSSAS VIDAS, NÃO PERCAM TEMPO COM HISTÓRIAS E ENCANTAMENTO. ISSO É UMA BOBAGEM, UMA INUTILIDADE”.

Aquelas palavras entraram no ouvido e no coração das pessoas. Aos poucos elas foram indo embora.

A contadora de histórias continuou a contar.

Dia após dia, retornava à praça e continuava contando histórias lindas, mas a cada dia tinha menos público. Até que chegou o derradeiro dia em que não havia ninguém para ouvi-la.

Ela ficou tão triste, mas não desistiu. Começou a contar para ela mesma. A chorar e a sorrir e a se encantar com as belas histórias que contava. As pessoas passavam apressadas, olhavam e não paravam.

Uma tarde, passava por ali apressadamente uma mulher com sua filha pequena. A criança, atenta a tudo, olhou para a praça e viu a contadora de histórias de olhos fechados, falando sozinha. Ninguém a ouvia.

Preocupada com uma tempestade se aproximando, a menina soltou da mão da mãe e saiu correndo e falando para a contadora de histórias: “senhora!!! Por que continua contando histórias se ninguém a ouve? Vá para casa buscar abrigo. Vai cair uma tempestade”.

A contadora de histórias abriu os olhos, olhou para os olhos daquela criança e disse: “Pequenina, antes, quando eu era jovem, eu contava histórias por que queria mudar o mundo. Agora que estou mais velha, eu conto histórias, e continuarei a contar, para que o mundo não me mude”. E dizendo isso não fechou mais os olhos e continuou contando histórias.

Gente, dias atrás ouvi essa história e hoje, num dia especial para mim, ela cabe aqui. Já me disseram que sou a rainha da reflexão (gostei disso), hoje a reflexão é para mim mesma.

Sabe, ultimamente, pensei em parar de contar histórias, de escrever, ao ver pessoas conhecidas (leitores meus, inclusive) agindo com violência e agressividade desmedidas. Achando-se no direito (que veio sei lá de onde) de praticar o ódio. Estou assustada (de verdade). E daí ouvi essa história. E refleti.

Corações endurecidos temem ouvir palavras que os tirem “do modo odiar”. (Palavras têm esse poder.) E eu quero amar. Então, ouço, conto, escrevo para que os dias sejam melhores para mim e para todos. (No meu coração não cabe egoísmo.)

Hoje fecho um ciclo. Começo outro. Com esperança de dias melhores. “Dias de paz, dias a mais, dias em que seremos melhores. Melhores no amor. Melhores na dor. Melhores em tudo”.

O melhor contador de histórias de todos os tempos disse que se amarmos somente quem nos ama, que recompensa teremos? Se saudamos somente nossos irmãos, o que fazemos de extraordinário? Eu acredito nEle!

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, então, a gente continua se encontrando por aqui. Gratidão!

Ângela Russi e professora, escritora e transformadora de almas