Helton Kramer Lustoza
Um tema que, embora já tenha sido julgado e decidido pelo Supremo Tribunal Federal, ainda tem causado uma série de discussões é a respeito da efetiva e correta aplicação das cotas raciais em Universidades e Concursos Públicos.
Semanas atrás o Fantástico denunciou um caso em que houve fraude no sistema de cotas raciais no concurso do INSS, onde um candidato com pele branca e olhos claros, teria burlado as regras para usufruir do benefício legal. Ao Fantástico, o jovem contestou as conclusões de que teria ocorrido fraude, afirmando que era conhecido como “moreno” e que a foto utilizada durante o processo seletivo foi feita após o verão. Ocorre que as informações apuradas até aquele momento teriam demonstrado que realmente houve uma fraude ao sistema de cotas.
Além destes casos flagrantemente de fraudes, uma discussão que ainda prevalece nos meios jurídicos e sociais é a respeito da legitimidade e dos efeitos colaterais da utilização de um sistema em que se baseia na distinção dita “racial”.
Isso não significa que todos os indivíduos são geneticamente idênticos, ao contrário, são diferentes, mas essas diferenças não podem servir de suporte para se defender uma classificação em raças. O grande problema histórico foi de se criar uma escala de valores entre as denominadas raças, o que deu azo a enormes distorções na sociedade, sendo utilizado como fundamento de grandes atrocidades, como por exemplo, o nazismo, que defendia a existência de uma raça ariana superior.
Para o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, “os homens não se compartimentam em raças, mas, repise-se, uma diferenciação histórico-cultural”, o que retira qualquer fundamento racional que poderia existir da tese da hierarquia de raças.
Interessante decisão foi proferida pelo juiz americano Warren no julgamento de um processo que tratava sobre o racismo. Nesta ocasião o magistrado expressou que: “não vejo como, no dia e na época de hoje, podemos separar um grupo do restante e dizer que eles não têm direito ao mesmo tratamento de todos os outros. Fazer isso isto seria contrário às Décima Terceira, Décima Quarta e Décima Quinta Emendas. Elas visavam tornar os escravos iguais a todos os outros. Pessoalmente, não consigo ver de que forma podemos hoje justificar a segregação unicamente com base na raça“.
Observe-se que o sistema de cotas raciais foi uma opção política do Estado brasileiro como solução a fim de resolver um problema que é mais de natureza econômica do que racial. Se a questão de raça sempre foi utilizada como um meio para a justificação de dominação de povos, pode-se compreender que a institucionalização de critérios diferenciadores raciais seria insistir no mesmo erro. Representaria a institucionalização da divisão racial na sociedade brasileira, uma vez que as pessoas passariam a se classificar no momento em que prestariam o processo seletivo.
Acreditamos que deva existir uma séria e madura reflexão no sentido de que o sistema em que defende uma concorrência apartada para certos grupos “raciais”, tendo como justificativa que eles não teriam as mesmas capacidades que os brancos poderá representar futuramente um problema muito grave: a legalização do racismo em vez de uma ação afirmativa.
Outro problema que se encontra no sistema de cotas raciais é a respeito de sua operacionalidade, sendo que o aspecto racial depende de uma análise subjetiva. Pois se já é difícil afirmar que raças existem, como se fazer a confirmação de que alguém é negro, índio ou branco. E o mulato, seria meio negro ou meio branco? Então teria ele direito a meia cota? Frente a interpretação extensiva, admitida no direito constitucional, como tratar aquele de cor branca, mas filho de mãe e pai negros?
A dificuldade de se identificar efetivamente a natureza do brasileiro não é recente, tanto é assim que 1976 o IBGE fez a pesquisa mediante a aceitação de mais de 136 cores na identificação das pessoas, sendo que o resultado da pesquisa além de mostrar a riqueza de “cores” também demonstra a dificuldade em defini-la com precisão, resultado do processo de miscigenação popular.
Portanto, através do fomento desta discussão não se pretende trazer verdades indiscutíveis, ao contrário, visa propiciar uma reflexão sobre o assunto debatido, de modo que se possa alcançar o perfeito ajuste entre as políticas públicas governamentais perante os primados constitucionais.
Helton Kramer Lustoza
Procurador do Estado
Professor do Curso de Direito da UNIPAR www.heltonkramer.com