François Andrieux imortalizou “O conto do moleiro de Sans-Souci” que virou símbolo da proteção que a lei dá ao fraco contra o forte. Nos idos de 1745, na Prússia, atual Alemanha, um senhor tinha seu moinho nas cercanias do Palácio do rei Frederico II, déspota esclarecido. Aí, quiseram tirá-lo de lá porque enfeava a paisagem real. O moleiro resistiu, sendo então chamado pelo rei para dizer por que resistia, se poderia desapropriá-lo. O dono do moinho respondeu: “Ainda temos Juízes em Berlim…” O rei desistiu do seu atrevido intento e consta que o moinho continua lá até hoje.
Pois é. Rei não protege, déspota não protege, tirano não protege. A lei, e só ela, protege o cidadão contra poder, despotismo, tirania e truculência. Podemos discordar de quem aplica a lei, mas não devemos atacar a existência da lei e do juiz que precisa aplicá-la. Há um juízo nisso que tem a dignidade na raiz. Mas, vou ao que quero: Duas decisões de juízes da semana:
A primeira: O senador Flávio Bolsonaro, filho do Presidente, obteve ganho de causa por um voto, na 3ª Câmara criminal do TJ do Rio de Janeiro, para que o inquérito contra ele em razão das “rachadinhas”, vá à segunda instância, alegando foro privilegiado, já que era deputado estadual ao tempo dos fatos. Digo que é direito seu, buscar o que entende ser seu direito. É o “ius sperniandi”. Agora, como o cargo já não existe, um recurso do Ministério Público deve reformar a decisão que foi, flagrantemente equivocada, segundo jurisprudência firmada em lêtras garrafais no Supremo Tribunal. É a lei.
A segunda: Marina Silva e Guilherme Boulos que foram candidatos à presidência, pedem a cassação da chapa “Bolsonaro/Mourão”, alegando que foi eleita mediante fraude, já que o grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro” sofreu, à época da campanha, ataque virtual e teve sua página alterada para “Mulheres COM Bolsonaro #17” e Bolsonaro compartilhou a imagem e agradeceu o apôio. Agora, Juízes terão que decidir, à luz da lei. Também temos juízes, tal como disse o moleiro: “Ainda temos juízes em Berlim”.
(Eliseu Auth é promotor de justiça inativo, atualmente advogado).